sábado, 20 de outubro de 2012

"A crítica
é a aprendizagem da imaginação
em sua segunda volta,
a imaginação curada da fantasia e
decidida a afrontar a realidade do mundo"
Otávio Paz.


 
"Viver com a divina
disponibilidade do condenado a morte…
com esse incrível desinteresse por tudo,
salvo pela chama pura da vida."
Albert Camus

quarta-feira, 17 de outubro de 2012


Que seria de nós não fosse o deleatur?

Deleatur (em latim, destrua-se)
é um sinal de revisão usado para indicar que a letra ou a palavra
deve ser suprimida.

(Assim descrito no livro História do Cerco de Lisboa de José Saramago).

Dialogo entre o Revisor e o Historiador

(Saramago, José. História do cerco de Lisboa. São Paulo: Companhia de Bolso. 2011, p 7-12. Diagramação Cafp)

Disse o Revisor: Sim, o nome deste sinal é deleatur, usamo-lo quando precisamos suprimir e apagar, a própria palavra o está a dizer, e tanto vale para letras soltas como para palavras completas.

Disse o Historiador: Lembra-me uma cobra que se tivesse arrependido no momento de morder a cauda.

R : Bem observado, senhor doutor, realmente, por muito agarrados que estejamos a vida, até uma serpente hesitaria diante da eternidade.

H: Faça-me aí o desenho, mas devagar.

R: É facílimo, basta apanhar-lhe o jeito, quem olhar distraidamente cuidará que a mão vai traçar o terrível circulo, mas não, repare que não rematei o movimento aqui onde o tinha começado, passei-lhe ao lado, por dentro, e agora vou continuar para baixo ate cortar a parte inferior da curva, afinal o que parece mesmo é a letra Q maiúscula, nada mais.

H: Que pena, um desenho que prometia tanto.

R: Contentemo-nos com a ilusão da semelhança, porem, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças.

H: Que tem isso que ver com a revisão tipográfica.

R: Os senhores autores vivem nas alturas, não gastam o precioso saber em despiciências e insignificâncias, letras feridas, trocadas, invertidas, que assim lhes classificávamos os defeitos no tempo da composição manual, diferença e defeito, então, era tudo um.

H: Confesso que os meus deleatures são menos rigorosos, um rabisco dá-me para tudo, confio-me a sagacidade dos tipógrafos, essa tribo colateral da edípica e celebrada família dos farmacêuticos, capazes ate de decifrar o que nem chegou a ser escrito

R: E depois os revisores que acudam a resolver os problemas.

H: Sois nossos anjos-da-guarda, a vos nos confiamos, você, por exemplo, traz--me a lembrança a minha estremosa mãe, que me fazia e tornava a fazer a risca do cabelo até ficar como traçada a tira linhas.

R: Obrigado pela comparação, mas, se a sua mãezinha já morreu, valia-lhe a pena agora aperfeiçoar-se por sua conta, sempre chega o dia em que é preciso corrigir mais no profundo

H: Corrigir, corrijo eu, mas as piores dificuldades resolvo-as à maneira expedita, escrevendo uma palavra por cima de outra.

R: Tenho reparado.

H: Não o diga nesse tom, dentro do que cabe faço o que posso, e quem consegue fazer o que pode...

R: A mais não estará obrigado, sim senhor, sobretudo, como é o seu caso, quando falta o gosto da modificação, o prazer da mudança, o sentido da emenda,

H: Os autores emendam sempre, somos os eternos insatisfeitos.

R: Nem têm outro remédio, que a perfeição tem exclusiva morada no reino dos céus, mas o emendar dos autores é outro, problemático, muito diferente deste nosso.

H: Quer você dizer na sua que a seita revisora gosta do que faz?

R: Tão longe não ouso ir, depende da vocação, e revisor de vocação é fenômeno desconhecido, no entanto, o que parece demonstrado é que, no mais secreto das nossas almas secretas, nós, revisores, somos voluptuosos.

H: Essa nunca eu tinha ouvido.

R: Cada dia traz sua alegria e sua pena, e também sua lição proveitosa.

H: É por experiência que fala?

R: Refere-se à lição?

H: Refiro-me à volúpia.

R: Claro que falo por experiência própria, alguma haveria eu de ter, que é que julga, mas igualmente tenho beneficiado da observação dos comportamentos alheios, que é ciência moral não menos edificadora.

H: Certos autores do passado, se os julgarmos por esse seu critério, seriam gente da espécie, revisores magníficos, estou a lembrar-me das provas revistas pelo Balzac, um deslumbramento pirotécnico de correções e aditamentos.

R: O mesmo fazia o nosso Eça doméstico, para que não fique sem menção um exemplo pátrio.

H: Agora me ocorre que tanto o Eça como o Balzac se sentiriam os mais felizes dos homens, nos tempos de hoje, diante de um computador, interpolando, transpondo, recorrendo linhas, trocando capítulos.

R: E nós, leitores, nunca saberíamos por que caminhos eles andaram e se perderam antes de alcançarem a definitiva forma, se existe tal coisa.

H: Ora, ora, o que conta é o resultado, não adianta nada conhecer os tenteios e hesitações de Camões e Dante.

R: O senhor doutor é um homem prático, moderno, já está a viver no século vinte e dois.

H: Diga-me cá, os outros sinais, também levam nomes latinos, como o deleatur?

R: Se os levam, ou levaram, não sei, não estou habilitado, talvez fossem tão difíceis de pronunciar que se perderam.

H: Na noite dos tempos?

R: Desculpar-me-á se o contradigo, mas eu não empregaria a frase.

H: Calculo que por ser lugar-comum.

R: Nanja por isso, os lugares-comuns, as frases feitas, os bordões, os narizes-de-cera, as sentenças de almanaque, os rifões e provérbios, tudo pode aparecer como novidade, a questão está só em saber manejar adequadamente as palavras que estejam antes e depois.

H: Então por que não diria você noite dos tempos?

R: Porque os tempos deixaram de ser noite de si mesmos quando as pessoas começaram a escrever, ou a emendar, torno a dizer, que é obra doutro requinte e outra transfiguração

H: Gosto da frase.

R: Eu também, principalmente porque é a primeira vez que a digo, à segunda vez terá menos graça.

H: Ter-se-á tornado em lugar-comum.

R: Ou tópico, que é vocábulo erudito.

H: Creio perceber nas suas palavras uma certa amargura céptica.

R: Vejo-a mais como um cepticismo amargo.

H: Quem diz uma coisa, diz outra.

R: Mas não dirá o mesmo, os autores costumavam ter bom ouvido para estas diferenças.

H: Talvez se me estejam a endurecer os tímpanos.

R: Desculpe, foi sem intenção.

H: Não sou susceptível, adiante, diga-me antes por que se sente assim amargo, ou céptico, como queira.

R: Considere, senhor doutor, a vida quotidiana dos revisores, pense na tragédia de terem de ler uma vez, duas, três, ou quatro, ou cinco vezes, livros que...

H: Provavelmente, nem uma só vez o mereceriam.

R: Fique registado que não fui eu quem proferiu tão gravosas palavras, conheço muito bem o meu lugar na sociedade das letras, voluptuoso, sim, confesso-o, mas respeitador.

H: Não vejo onde esteja essa terribilidade, aliás parecia-me a conclusão óbvia da sua frase, aquela eloquente suspensão, apesar de não se lhe verem as reticências

R: Se quer saber, vá aos autores, provoque-os com o meio dito meu e o meio dito seu, e verá como eles lhe respondem com o aplaudido apólogo de Apeles e o sapateiro, quando o operário apontou o erro na sandália duma figura e depois, tendo verificado que o artista emendara o desacerto, se aventurou a dar opiniões sobre a anatomia do joelho

H: Foi então que Apeles, furioso com o impertinente, lhe disse Não suba o sapateiro acima da chinela, frase histórica.

R: Ninguém gosta que lhe olhem por cima do muro do quintal.

H: Neste caso, o Apeles tinha razão.

R: Talvez, mas só enquanto não viesse examinar a pintura um sábio anatomista

H: Você é definitivamente céptico.

R: Todos os autores são Apeles, mas a tentação do sapateiro é a mais comum entre os humanos, enfim, só o revisor aprendeu que o trabalho de emendar é o único que nunca se acabará no mundo.

H: Tem sentido muitas tentações de sapateiro na revisão do meu livro.

R: A idade traz-nos uma coisa boa que é uma coisa má, acalma-nos, e as tentações, mesmo quando são imperiosas, tornam-se menos urgentes.

H: Por outras palavras, vê o defeito da chinela, mas cala-se.

R: Não, o que eu deixo passar é o erro do joelho.

H: Gosta do livro?

R: Gosto.

H: Di-lo com pouquíssimo entusiasmo.

R: Também não o notei na sua pergunta.

H: Questão de táctica, o autor, ainda que muito lhe custe, deve exibir alguns ares de modéstia.

R: Modesto sempre o revisor terá de ser, e, se lhe deu um dia para ser imodesto, com isso se obrigou a ser, em figura humana, a suma perfeição.

H: Não reviu a frase, três vezes a palavra ser num fôlego só, é imperdoável, concorde.

R: Deixe ficar a chinela, a falar tudo se desculpa.

H: Pois, mas não lhe perdoo a avareza da opinião.

R: Recordo-lhe que os revisores são gente sóbria, já viram muito de literatura e vida.

H: O meu livro, recordo-lho eu, é de história.

R: Assim realmente o designariam segundo a classificação tradicional dos gêneros, porém, não sendo propósito meu apontar outras contradições, em minha discreta opinião, senhor doutor, tudo quanto não for vida, é literatura.

H: A história também?

R: A história sobretudo, sem querer ofender.

H: E a pintura, e a música?

R: A música anda a resistir desde que nasceu, ora vai, ora vem, quer livrar-se da palavra, suponho que por inveja, mas regressa sempre à obediência

H: E a pintura?

R: Ora, a pintura não é mais do que literatura feita com pincéis.

H: Espero que não esteja esquecido de que a humanidade começou a pintar muito antes de saber escrever.

R: Conhece o rifão, se não tens cão caça com o gato, por outras palavras, quem não pode escrever pinta, ou desenha, é o que fazem as crianças.

H: O que você quer dizer, por outras palavras, é que a literatura já existia antes de ter nascido?

R: Sim senhor, como o homem, por outras palavras, antes de o ser já o era.

H: Parece-me um ponto de vista bastante original.

R: Não o creia, senhor doutor, o rei Salomão, que há tanto tempo viveu, já então afirmava que não havia nada de novo debaixo da rosa do sol, ora, quando naquelas épocas recuadas assim o reconheciam, o que não diremos hoje, trinta séculos passados, se a mim não me falha agora a memória da enciclopédia.

H: É curioso, eu, e mais sou historiador, não me lembraria, se perguntado de repente, que tivesse sido há tantos anos.

R: E o que tem o tempo, corre e não damos por ele, está uma pessoa por aí ocupada nos seus quotidianos, subitamente cai em si e exclama, meu Deus como o tempo passa, ainda agora estava o rei Salomão vivo e já lá vão três mil anos.

H: Quer-me parecer que você errou a vocação, devia era ser filósofo, ou historiador, tem o alarde e a pinta que tais artes requerem.

R: Falta-me o preparo, senhor doutor, que pode um simples homem fazer sem o preparo, muita sorte já foi ter vindo ao mundo com a genética arrumada, mas, por assim dizer, em estado bruto, e depois não mais polimento que primeiras letras que ficaram únicas.

H: Podia apresentar-se como autodidata, produto do seu próprio e digno esforço, não é vergonha nenhuma, antigamente a sociedade tinha orgulho nos seus autodidatas.

R: Isso acabou, veio o desenvolvimento e acabou, os autodidatas são vistos com maus olhos, só os que escrevem versos e histórias para distrair é que estão autorizados a ser e a continuar a ser autodidatas, sorte deles, mas eu, confesso-lhe, para a criação literária nunca tive jeito.

H: Meta-se a filósofo, homem!

R: O senhor doutor é um humorista de finíssimo espírito, cultiva magistralmente a ironia, chego a perguntar-me como se dedicou à história, sendo ela grave e profunda ciência.

H: Sou irônico apenas na vida real.

R: Bem me queria a mim parecer que a história não é a vida real, literatura, sim, e nada mais.

H: Mas a história foi vida real no tempo em que ainda não poderia chamar-se-lhe história.

R: Tem a certeza, senhor doutor?

H: Na verdade, você é uma interrogação com pernas e uma dúvida com braços.

R: Não me falta mais que a cabeça.

H: Cada coisa a seu tempo, o cérebro foi a última coisa a ser inventada.

R: O senhor doutor é um sábio.

H: Meu caro amigo, não exagere.

R: Quer ver as últimas provas?

H: Não vale a pena, as correções de autor estão feitas, o resto é a rotina da revisão final, fica nas suas mãos.

R: Obrigado pela confiança.

H: Muito merecida.

R: Então senhor doutor acha que a história é a vida real?

H: Acho, sim.

R: Que a história foi vida real, quero dizer.

H: Não tenha a menor dúvida.

R: Que seria de nós se não existisse o deleatur (suspirou o revisor).

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

TEXTOS FUNDAMENTAIS


Elementos fundamentais para a crítica da economia política

Formas que precedem a produção capitalista

Sobre o processo que precede à formação da relação de capital ou à acumulação originária.

Karl Marx
Grundrisse, 1857-1958, Paginas 475 a 413

Originais:
Karl Marx. Grundrisse der Kritik Politischen Okonomie (Roentwurf).1857-1858. Pg 475-413.

Elementos Fundamentales para la critica de la economia política (Borrador) 1857-1858 Volumen I. Buenos aires: Siglo veinteuno, 1973. Pg 433-477.

Tradução:
Carlos Alberto Feitosa Perim, Vitória, 2012
 


Dizem que Marx é difícil. Não é não.
Para verificar é só ler esse texto
onde Marx nos explica facilmente entre outras coisas:
      como surgiu o trabalho e o capital
      a entidade comunitária originaria
      a formação da relação de capital, etc.
Gratificante
Para os jovens do Brasil como Nuno meu filho.
Marx queria ser claro e simples para pessoas simples
Fiz esta tradução pensando nisso.
será que consegui?
....
Carlos Alberto Feitosa Perim

Formas que precedem a produção capitalista:

Sobre o processo que precede à formação da relação de capital ou à acumulação originária.

Se um pressuposto do trabalho assalariado e uma das condições históricas do capital é o trabalho livre e a troca desse trabalho livre por dinheiro a fim de reproduzir e valorizar o dinheiro, a fim de ser consumido pelo dinheiro como valor de uso, não para o desfrute mas como valor de uso para o dinheiro, do mesmo modo, outro pressuposto é a separação do trabalho livre, com relação às condições objetivas de sua realização, com relação ao meio de trabalho e ao material de trabalho. Portanto, sobretudo, separação do trabalhador com relação à terra como seu laboratório1 natural - e, por conseguinte, dissolução da pequena propriedade da terra, assim como também da propriedade coletiva da terra baseada na comuna oriental. Sob essas duas formas o trabalhador se comporta com as condições objetivas de seu trabalho como com sua propriedade: estamos ante a unidade do trabalho com seus pressupostos materiais. Por conseguinte, o trabalhador tem uma existência objetiva, independente do trabalho. O indivíduo se comporta consigo mesmo como proprietário, como senhor das condições de sua realidade. Se comporta do mesmo modo com o outro e, conforme este pressuposto esteja posto como derivado da entidade comunitária ou das famílias individuais que constituem a comunidade, se comporta com os outros como com co-proprietários, como com tantas outras encarnações da propriedade comum, ou como com proprietários autônomos, junto aos quais a própria propriedade comum, que antes de tudo o absorvia e dominava, é posta como um particular terreno público2 diferenciado, junto aos muitos proprietários da terra.

Em ambas as formas, os indivíduos não se comportam como trabalhadores mas sim como proprietários - e membros de uma entidade comunitária em que ao mesmo tempo trabalham. O objetivo deste trabalho não é a criação de valor - ainda quando é possível que se execute trabalho excedente para trocá-lo por produtos alheios, isto é, por produtos excedentes - mas seu objetivo é a manutenção do proprietário individual e de sua família assim como da entidade comunitária global. O colocar ao indivíduo como trabalhador, nesta nudez, é em si mesmo um produto histórico.

1Laboratorium.
2ager publicus, terra pública.


Na primeira destas formas de propriedade da terra, aparece, sobretudo, como primeiro pressuposto uma entidade comunitária resultante de um processo natural. A família ou a família que tornou-se tribo, por ampliação ou por casamentos mistos entre famílias, ou uma combinação de tribos.Dado que se pode admitir, que a vida pastoral, ou mais em geral o nomadismo, constitui a primeira forma dos modos de existência, na qual a tribo não se instala em uma sede determinada mas aproveita para a pastagem o que vai encontrando pois os homens não são por natureza sedentários (para isso deveriam encontrar-se em um âmbito natural tão especialmente fértil para que se estabelecessem nele igual aos monos numa árvore; ao não ocorrer isto, andarão vagabundeando1 como as bestas selvagens), por conseguinte, a coletividade tribal, a entidade comunitária natural, não aparece como resultado mas como pressuposto da apropriação coletiva (temporária) do solo e de sua utilização. Quando finalmente se acena, o que esta coletividade originária se modifique em maior ou menor grau dependerá tanto de diversas condições externas, climáticas, geográficas, físicas, etc., como de sua particular disposição natural, etc.: de seu caráter tribal. A coletividade tribal resultante de um processo natural, ou, se se quer, a horda - a comunidade de sangue, de idioma, de costumes, etc. - é o primeiro pressuposto da apropriação das condições objetivas de sua vida e da atividade de auto reprodução e de objetivação desta (atividade como pastores, caçadores, agricultores, etc.). A terra é o grande laboratorium, o arsenal, que proporciona tanto o meio de trabalho como o material de trabalho como também a sede, a base da entidade comunitária. Os homens se comportam com ela ingenuamente, tratando-a como propriedade da entidade comunitária, da entidade comunitária que se produz e reproduz por meio do trabalho vivo. Cada indivíduo se comporta como proprietário ou possuidor só enquanto membro desta comunidade. A apropriação real por meio do processo de trabalho ocorre sob estes pressupostos, os quais não são eles mesmos produto do trabalho, mas aparecem como os pressupostos naturais ou divinos deste. Contando sempre com esta relação como base, esta forma pode realizar-se de maneiras muito diversas. Por exemplo, de nenhum modo esta em contradição com ela o que, tal como na maior parte das formas fundamentais asiáticas, a unidade omnicompreensiva, que está por cima de todas estas pequenas entidades comunitárias, apareça como o proprietário superior ou como o único proprietário, de tal modo que as comunidades efetivas só apareçam como possuidores hereditários. Dado que a unidade é o proprietário efetivo e o pressuposto efetivo da propriedade coletiva, esta mesma pode aparecer como algo particular por cima de muitas entidades comunitárias particulares e efetivas e, por conseguinte, o indivíduo resulta nelas desprovido de fato2 de propriedade, ou a propriedade - isto é o comportamento do indivíduo com as condições naturais do trabalho e da reprodução como com condições que lhe pertencem, objetivas, que são para ele o corpo de sua subjetividade pré existente como natureza inorgânica - aparece mediada para ele por uma franquia que a unidade global - unidade que se realiza no déspota como pai das muitas entidades comunitárias - outorga ao indivíduo por intermédio da comunidade particular. O produto excedente que além disso se vê determinado legalmente como consequência da apropriação efetiva por meio do trabalho - pertence então , em si, a esta unidade suprema. Portanto, em meio do despotismo oriental e da carência de propriedade que parece existir juridicamente nele, existe de fato como fundamento, esta propriedade comunitária ou tribal, produto sobretudo de uma combinação de manufatura e agricultura dentro da pequena comunidade, que desse modo torna-se inteiramente autossuficiente3 e contém em si mesma todas as condições da reprodução e da coletividade superior, em última instância existe como pessoa, e este trabalho excedente se faz efetivo tanto em tributos, etc., como no trabalho comum destinado a exaltar à unidade, em parte ao déspota real, em parte a entidade tribal imaginada, ao deus. Este tipo de propriedade comunitária, enquanto se realiza realmente no trabalho, pode por sua vez aparecer de duas maneiras: por um lado, as pequenas comunidades podem vegetar independentemente uma ao lado da outra e nelas o indivíduo trabalha independentemente, com sua família, no lote que lhe foi reservado (um trabalho determinado para reservas coletivas, por assim dizê-lo para seguro4, por um lado, e para custear os gastos da entidade comunitária em quanto tal, ou seja para a guerra, para o serviço divino, etc.; o dominium senhorial em seu sentido mais originário se encontra primeiramente aqui, por exemplo, nas comunidades eslavas, nas romanas, etc. Aqui se dá a transição para a prestação pessoal, etc.), ou, por outro lado, a unidade pode estender-se até incluir também o caráter coletivo do trabalho mesmo, o qual pode constituir um sistema formalizado como no México, em especial no Peru, entre os antigos celtas, algumas tribos da Índia. Também, o caráter coletivo, pode estar presente na tribo de modo que a unidade esteja representada por um chefe da família tribal ou como a relação recíproca entre os pais de família. Segundo esta, a entidade comunitária terá uma forma mais despótica ou mais democrática. Por conseguinte, as condições coletivas da apropriação real por meio do trabalho, por exemplo, sistemas de regadio, muito importantes entre os povos asiáticos, meios de comunicação, etc., aparecem como obra da unidade superior, do governo despótico que flutua por cima das pequenas comunidades. Neste caso as cidades propriamente ditas surgem junto a estas aldeias só naquele ponto que é particularmente favorável para o comércio com o exterior ou ali onde o governante e seus sátrapas intercambiam seus ingressos (produtos excedentes) por trabalho, gastam esses ingressos como fundos-de-trabalho5.

1roaming.
2
3self-sustaining
4insurance
5 labour-funds,

A segunda forma - a qual, como a primeira deu lugar a modificações essenciais, historicamente, etc. -, produto de uma vida histórica mais dinâmica, dos destinos e das modificações das tribos originárias, tem também como primeiro pressuposto a entidade comunitária, mas não como no primeiro caso enquanto substância, da qual os indivíduos são meros acidentes ou em relação à qual só constituem componentes naturais; tampouco supõe a terra como base, mas a cidade como sede já desenvolvida (centro)1 dos camponeses (proprietários da terra). A terra de cultivo aparece como terra da cidade, não mais a aldeia (vila) como mero acessório da terra. A terra em si - e não importa que dificuldades ofereça para seu lavoreio, para sua apropriação real - não oferece obstáculos para comportar-se com ela como com a natureza inorgânica do indivíduo vivo, como sua oficina2, como com o meio de trabalho, objeto de trabalho e meio de vida do sujeito. As dificuldades que encontra a comunidade só podem provir de outras comunidades, que já ocuparam essa terra ou que molestam à comunidade em sua ocupação. A guerra é então a grande tarefa comum, o grande trabalho coletivo, necessário para ocupar as acondiçoes objetivas da existência vital ou para proteger e eternizar a ocupação das mesmas. Portanto, a comunidade composta de famílias se organiza, em primeiro lugar para a guerra - como organização militar e guerreira -, e esta é uma das condições de sua existência como proprietária. A concentração de habitações na cidade é base desta organização guerreira. A natureza da organização tribal leva por si mesma à constituição de linhagens superiores e inferiores, diferenciação esta que se desenvolve ainda mais pela mistura com tribos subjugadas, etc. A propriedade comunitária como propriedade estatal - terreno público3 - se vê neste caso separada da propriedade privada. A propriedade do indivíduo não é aqui imediatamente e de por si propriedade comunitária, com no primeiro caso4, onde, por sua vez, tampouco é propriedade do indivíduo separado da comunidade pois este é sim somente seu possuidor. Quanto menor seja o grau em que a propriedade do indivíduo só possa ser valorizada, de fato, por meio do trabalho comum - como por exemplo no Oriente pelas valas5 -, quanto maior seja o grau em que por meio de migrações, por meio do movimento histórico, se haja quebrado o caráter natural da tribo, quanto mais se distancie a tribo de sua sede original e ocupe terra alheia e entre, portanto, em condições de trabalho essencialmente novas, com um maior desenvolvimento da energia do indivíduo - seu caráter comum aparece e deve aparecer para fora sobretudo como unidade negativa -, tanto mais estão dadas as condições para que o indivíduo se converta em proprietário privado do solo, de parcelas particulares cujo lavoreio particular o corresponde a ele e à sua família. A comunidade - como estado - é, por um lado, a relação recíproca entre esses proprietários iguais e livres, seu vínculo contra o exterior, e é, ao mesmo tempo, sua garantia. A natureza desta entidade comunitária se baseia aqui no fato de que seus membros são agricultores de parcelas, proprietários da terra que trabalham, e, em igual medida, a autonomia destes resulta de sua relação recíproca enquanto membros da comunidade, da salvaguarda do terreno público6 para as necessidades coletivas e para a gloria coletiva, etc. Neste caso, segue sendo pressuposto para a apropriação do solo o ser membro da comunidade, mas, enquanto membro da comunidade, o indivíduo é proprietário privado. Se relaciona com sua propriedade enquanto esta é o solo, mas, ao mesmo tempo, enquanto esta é seu ser como membro da comunidade, e a manutenção de si mesmo como membro é igualmente a manutenção da comunidade e vice-versa, etc. A comunidade , embora seja aqui um produto histórico não só de fato - mas também como algo reconhecido como tal e que portanto tem uma origem, é pressuposto da propriedade do solo - quer dizer da relação entre o sujeito que trabalha e os pressupostos naturais do trabalho, dados como algo que o pertence - , porem este pertencimento é mediado por seu ser membro do estado, pelo ser do estado e, portanto por um pressuposto que é pensado como divino, etc. Concentração na cidade, com o campo como território; economia camponesa em pequena escala, que trabalha para o consumo imediato: manufatura como atividade doméstica acessória das mulheres e filhas (fiar e tecer) ou independentes em alguns ramos específicos (fabri: artesões, mais em particular artesão que trabalham com metais, etc.). O pressuposto da perduração desta organização comunitária é a manutenção da igualdade entre seus camponeses-autosuficientes7 livres e o trabalho próprio como condição para a perduração de sua propriedade. Os indivíduos se comportam com as condições do trabalho como proprietários , mas, em realidade,estas condições ainda devem ser postas constantemente pelo trabalho pessoal como condições e elementos objetivos da personalidade do indivíduo. Por outro lado, a orientação desta pequena comunidade guerreira a empurra para além destes limites, etc. (Roma, Grécia, judeus, etc.) "Uma vez que os presságios", disse Niebuhr, "o asseguraram a Numa a apropriação divina de sua eleição, a primeira preocupação do piedoso rei não foi o serviço do templo mas sim o dos homens. Dividiu, as terras que Rômulo havia ganho na guerra e havia deixado para que fossem ocupadas: instaurou o culto de Término. Todos os legisladores antigos, e sobretudo Moisés, fundaram o êxito de seus preceitos em favor da virtude, da retidão e a favor dos bons costumes sobre a propriedade da terra ou, pelo menos, sobre a posse hereditária segura da terra para o maior número possível de cidadãos"8 . O indivíduo é colocado em condições tais para ganhar sua vida que seu objetivo não é a aquisição de riqueza mas a subsistência, sua própria reprodução como membro da comunidade; sua própria reprodução como proprietário da parcela e, em tal caráter, como membro da comuna. A perduração da comuna é a reprodução de todos os membros da mesma como produtor de riqueza9, cujo trabalho excedente, o trabalho da guerra, etc., pertence igualmente à comunidade. A propriedade do próprio trabalho é mediada por meio da propriedade da condição do trabalho - da parcela de terra, por sua vez garantida por meio da existência da comunidade, e esta por sua vez por meio do trabalho excedente sob a forma de serviço guerreiro, etc., dos membros da comunidade. O membro da comunidade não se reproduz por meio da cooperação no trabalho produtor de riqueza, mas sim por meio da cooperação no trabalho para os interesses coletivos (reais ou imaginários) ligados à manutenção do nexo10 para fora e para dentro. A propriedade é quiritária, romana, o proprietário privado da terra só o é como romano, mas como romano é proprietário privado da terra.

1"Sitz" (sede).
2 taller
3ager publicus, terra pública.
4case
5acequias
6ager publicus, terra pública.
7self-sustaining peasants
8Niebuhr. Vol. I, 245, 2a. ed.,Hist.Rom
9self-sustaining peasants
10vínculo


Uma (terceira) forma da propriedade das condições naturais de seu trabalho por parte dos indivíduos que trabalham, membros auto suficientes da comunidade1, é a germânica. Neste caso não ocorre como na forma especificamente oriental, na qual o membro da comunidade é como tal coproprietário da propriedade coletiva (onde a propriedade existe como propriedade da terra, o membro individual como tal é só possuidor de uma parte específica, hereditária ou não, pois a ninguém pertence per si uma fração de propriedade, a não ser como membro imediato da comunidade, enquanto está em unidade direta com ela e não quando se diferencia dela. Por conseguinte, este indivíduo2, é só possuidor. Só existe propriedade coletiva e unicamente possessão privada. Os modos desta possessão em relação com a propriedade coletiva podem modificar-se por completo histórica e localmente, etc., conforme o próprio trabalho ocorra a cargo do possuidor privado isolado ou, por sua vez, esteja determinado pela comunidade ou pela unidade situada por cima das comunidades particulares). Tampouco ocorre como na forma grega, romana (em suma, na forma antiga clássica) na qual aterra é ocupada pela comunidade e é solo romano: uma parte corresponde à comunidade como tal, enquanto diferente de seus membros, terreno público3 em suas diversas formas, a outra parte é dividida e cada parcela é romana enquanto é a propriedade privada, o domínio, de um romano, a parte que lhe pertence do laboratório, mas, também (a su vez), ele só é romano enquanto possui direito soberano sobre uma parte da terra romana.

Na antiguidade, o comércio e os ofícios urbanos eram pouco apreciados, enquanto a agricultura era altamente respeitada; na Idade Média, a evolução oposta. O direito ao usufruto da terra comunitária por meio de sua possessão os correspondia originariamente ao patrícios; estes logo se o outorgaram a seus clientes; a transferência em propriedade de terras do terreno público4 as correspondeu exclusivamente aos plebeus: todas as atribuições em favor dos plebeus e compensação por uma parte da terra comunitária. Propriedade territorial propriamente dita, com exceção da situada ao pé dos muros da cidade, originariamente só em mãos de plebeus (comunidades rurais logo absorvidas. Caráter essencial da plebe romana com um conjunto de camponeses, tal como se põe de manifesto em sua propriedade quiritária. Os antigos consideravam unanimemente o trabalho da terra como a ocupação própria do homem livre, a escola dos soldados. ali está contida a antiga cepa da nação, que se modifica nas cidades, onde se estabelecem artesãos e comerciantes estrangeiros e onde também chegam os nativos atraídos pela ganancia. Onde existe escravidão, o liberto busca sua subsistência por meio de tais ocupações, nas quais geralmente reúne riquezas: de tal modo, também na Antiguidade esses ofícios se encontravam sobretudo em suas mãos e, por conseguinte, não eram decorosos para o cidadão: daí a opinião de que seria perigoso outorgar aos artesãos a cidadania plena (por regra geral, entre os antigos gregos estavam excluídos dela).

A nenhum romano estava permitido dedicar-se ao comércio ao varejo ou ser artesão.


1selfsustaining members do the community
2esta unidade.
3ager publicus, terra pública.
4ager publicus, terra pública.


Os antigos não tinham nem sequer vagamente a ideia da dignidade própria para a organização corporativa, tal como esta aparece na história das cidades medievais, e inclusive nestas, enquanto as corporações venceram às linhagens, o espírito militar declinou por completo e, por conseguinte, também o respeito pela cidade fora dela e sua liberdade. As tribos dos estados antigos estavam constituídas de duas maneiras: sobre a base de linhagens ou sobre a base de lugares. As tribos baseadas em linhagens, superam em antiguidade às tribos baseadas no lugar e em quase todas as partes foram suplantadas por estas. Sua forma mais estrita, mais estrema, é a organização de castas, separadas umas das outras, sem direito a matrimônio misto e inteiramente diferenciadas enquanto à sua dignidade, correspondendo-lhe a cada uma um ofício exclusivo e imutável. As tribos locais corresponderam originariamente a uma divisão da terra em distritos e aldeias (vilas), de tal modo que, no Atica sob Clístenes, aquele que no momento da divisão se encontrava em uma aldeia foi registrado como um demotes1 dessa aldeia, membro da phylé2 da região a qual pertencia a aldeia. A regra era que, de aí em diante, seus descendentes, sem que importara seu lugar de residência, ficarão na mesma phylé e o mesmo demos, com o que também esta divisão assumiu uma aparência de parentesco. A linhagem romana3 não era um parentesco de sangue: "descendência de homens livres". Os Santuários comuns4 dos gentis5 romanos desapareceram mais tarde (já em tempos de Cícero). O que se manteve mais tempo foi a herança conjunta dos membros da linhagem mortos sem parentes e sem testamento. Nos tempos mais antigos, os membros das gens tinham a obrigação de ajudar a suportar cargas extraordinárias àqueles dos seus necessitados de assistência. (Entre os germanos isto se dá desde suas origens e em todas partes; máxima persistência entre os ditmarsos6). As gentes7, corporações. No mundo antigo não existiu nenhuma organização mais geral que as linhagens. Assim entre os gauleses, os aristocráticos Campbells se seus vassalos constituem um clã. Dado que o patrício representa em maior grau a entidade comunitária, ele é o possuidor do terreno público8 e o utiliza por intermédio de seus clientes, etc. (e também vai-se apropriando dele gradualmente). A comunidade germânica não se concentra na cidade; a mera concentração - a cidade como centro da vida rural, domicílio dos trabalhadores da terra e igualmente centro da condução da guerra. Outorga então à comunidade como tal uma existência externa, diferente da do indivíduo. A história antiga clássica é história urbana, mas de cidades baseadas sobre a propriedade da terra e a agricultura: a história asiática é uma espécie de unidade indiferente de cidade e campo (neste caso as cidades verdadeiramente grandes devem ser consideradas meramente como acampamento senhorial, como superfetação sobre a estrutura propriamente econômica); a Idade Média (época germânica) surge da terra como sede da história, história cujo desenvolvimento posterior se converte logo em uma contraposição entre cidade e campo; a história moderna é urbanização do campo, não, como entre os antigos, ruralização da cidade.

Como resultado da concentração na cidade, a comunidade como tal possui uma existência econômica; a mera existência da cidade como tal é diferente da mera pluralidade de casas independentes. Neste caso, o todo não consiste em suas partes. É uma espécie de organismo autônomo. Entre os germanos, entre quem os cabeças de família se estabelecem nos bosques, separados por grandes distâncias, a comunidade somente existe, considerada só externamente, em virtude de cada ato de reunião de seus membros, ainda quando sua unidade existente em si mesma está posta na ascendência, a língua, o passado e a história comuns, etc. Em consequência a comunidade aparece como uma reunião, não como uma união, como acordo entre sujeitos autônomos que são os proprietários da terra, não como unidade. Por isso a comunidade não existe de fato9 como estado, como entidade estatal, tal como entre os antigos, porque não existe como cidade. Para que a comunidade adquira uma existência real, os proprietários livres da terra devem reunir-se em assembleia, enquanto que em Roma, por exemplo, a comunidade existe, fora destas assembleias, na presença da própria cidade e dos funcionários que estão a sua frente, etc. Sem dúvida, se dá também entre os germanos o terreno público10, a terra comunitária ou terra do povo, diferenciada da propriedade do indivíduo. Se trata da terra de caça, pradarias, reservatórios de lenha, daquela parte da terra que não pode ser dividida se é que há de prestar serviços como meio de produção nesta forma determinada. Contudo este terreno público11 não aparece, como entre os romanos, por exemplo, como a existência econômica particular do estado paralelamente aos proprietários privados, de tal modo que estes proprietários privados são tais enquanto estavam excluídos, estavam privados, tal como os plebeus, do usufruto do terreno público12. Entre os germanos, o terreno público13 aparece, bastante, só como uma ampliação da propriedade privada individual e só figura como propriedade enquanto possessão comum de uma tribo pela qual há que lutar contra tribos inimigas. A propriedade do indivíduo não aparece mediada pela comunidade, mas a existência da comunidade e da propriedade comunitária aparecem mediadas, quer dizer, como relação recíproca dos sujeitos autônomos. No fundo14 o todo econômico está contido em cada casa individual, a qual constitui para si um centro autônomo da produção (manufatura só como ocupação doméstica acessória das mulheres, etc.). No mundo antigo, a cidade com suas terras vizinhas é o todo econômico; no mundo germânico, o domicílio individual, que só aparece como um ponto na terra que lhe pertence; não uma concentração de muitos proprietários, mas uma família com unidade autônoma. Na forma asiática (pelo menos na predominante), não há propriedade, mas só possessão por parte do indivíduo; a comunidade é propriamente o proprietário efetivo, por conseguinte, propriedade só como propriedade coletiva do solo. Entre os antigos (os romanos como o exemplo mais clássico, a coisa na forma mais pura, mais delineada), se dá a forma contraposta da propriedade estatal e a propriedade privada, de tal modo que esta existe mediada por aquela ou a própria estatal existe nesta forma dupla. Por conseguinte, o proprietário privado é ao mesmo tempo cidadão urbano. Do ponto de vista econômico, a cidadania estatal se reduz à forma simples do camponês habitante de uma cidade. Na forma germânica, o camponês não é cidadão do estado, quer dizer, não é habitante da cidade, mas o fundamento é a vivenda familiar autônoma, isolada, garantida por meio de sua associação com outras vivendas familiares similares da mesma tribo, e por meio de sua reunião ocasional para a guerra, a religião, a resolução de problemas legais, de tarefas tais que afiancem a segurança mútua. A propriedade individual da terra não aparece aqui como forma contraposta à propriedade comunitária, nem tampouco como medida através desta, mas ao inverso. A comunidade só existe na relação recíproca entre estes proprietários individuais da terra, enquanto tais. A propriedade comunitária enquanto tal só aparece como um completo comunitário das ridências individuais da tribo e das apropriações individuais do solo. A comunidade não é a substância com relação à qual o indivíduo aparece só como acidente, nem tampouco o geral que, enquanto tal, seja uma unidade existente como representação e simultaneamente como presença da cidade e de suas necessidades urbanas diferenciadas das do indivíduo, ou como solo urbano, enquanto existência particular da cidade, a diferença da existência econômica particular do membro da comunidade. Ao contrário, a comunidade em si, como comunidade na língua, no sangue, etc., é algo que, por um lado, constitui um pressuposto do proprietário individual, mas, por outro lado, como existência só se dá em sua reunião efetiva para objetivos comuns e, na medida em que tem uma existência econômica particular por meio do uso em comum de zonas de caça, pradarias, etc., estas são utilizadas por cada proprietário individual em quanto tal, não (como em Roma) enquanto representante do estado; propriedade efetivamente comum dos proprietários individuais, não da associação destes proprietários, que possuiria na própria cidade uma existência separada da de cada um como proprietário individual.

A questão é propriamente a seguinte: em todas estas formas nas quais a propriedade da terra e a agricultura constituem a base da ordem econômica e, por conseguinte, o objetivo econômico é a produção de valores de uso, a reprodução do indivíduo naquelas relações determinadas com sua comunidade nas quais ele constitui a base desta, em todas essas formas há: 1) apropriação da condição natural do trabalho - da terra como instrumento originário de trabalho e simultaneamente como laboratorium, como reservatório de matérias primas - não por meio do trabalho, mas como pressuposto do trabalho. O individuo se comporta com as condições objetivas do trabalho simplesmente como com algo seu, se comporta com elas tratando-as como natureza inorgânica de sua subjetividade, na qual esta se realiza a si mesma; a principal condição objetiva do trabalho não se apresenta como produto do trabalho, mas que se faz presente como natureza; por um lado, se dá o indivíduo vivente, pelo outro, a terra como condição objetiva da reprodução deste; 2) Mas este comportamento com o solo, com a terra, tratando-o como propriedade do indivíduo que trabalha - o qual, em consequência, já desde um princípio não aparece, nesta abstração, como mero indivíduo que trabalha, mas que tem na propriedade da terra um modo objetivo de existência, que constitui o pressuposto de sua atividade, tal como sua pele, seus órgãos dos sentidos, aos quais sem dúvida também reproduz no processo vital, e os desenvolve, etc., mas que, por seu lado, constituem um pressuposto desse processo de reprodução - , este comportamento está igualmente mediado por meio da existência natural, em maior ou menor grau desenvolvida historicamente e modificada, do indivíduo como membro de uma comunidade, ou seja por meio de sua existência natural como membro de uma tribo, etc. Assim como um indivíduo isolado não poderia ter linguagem, tampouco poderia ter propriedade do solo. Quanto mais, poderia nutrir-se dele como substância, igualmente aos animais. O comportamento em relação à terra como propriedade é sempre mediado pela ocupação, pacífica ou violenta, da terra pela tribo, pela comunidade em qualquer de suas formas em maior ou menor grau naturais ou já resultado do desenvolvimento histórico. Neste caso, o indivíduo nunca pode fazer-se presente na forma puntual com que aparece enquanto mero trabalhador livre. Se as condições objetivas de seu trabalho estão pressupostas como membro de uma comunidade, por meio da qual é mediada sua relação com o solo. Sua relação coma as condições objetivas do trabalho é mediada por sua existência como membro da comunidade; por outro lado, a existência efetiva da comunidade está determinada pela forma determinada de sua propriedade das condições objetivas do trabalho. Que esta propriedade mediada pela existência na comunidade apareça como propriedade coletiva, na qual o indivíduo só seja possuidor e não se dê propriedade privada alguma do solo, ou que a propriedade apareça na dupla forma de propriedade estatal e privada, uma junto à outra, de tal modo que esta última se apresente como posta pela primeira, e, em consequência só o cidadão do estado possa e deva ser proprietário privado, mas, por outro lado, sua propriedade como cidadão do estado tenha, ao mesmo tempo, uma existência particular, ou que, finalmente, a propriedade comunal apareça só como ampliação da propriedade individual, mas esta se apresente como a base e a comunidade em geral não tenha existência para si fora da assembleia dos membros e de sua associação para objetivos comuns, estas diversas formas de comportamento dos membros da comunidade ou tribo com relação ao solo da tribo - a terra na qual se estabeleceu - dependem em pare das condições econômicas sob as quais este se comporta com o solo como proprietário, quer dizer, sob as quais se apropria pelo trabalho dos frutos deste, o qual, por sua vez, dependerá do clima, das características físicas do solo, do modo fisicamente condicionado de sua exploração, de seu trato com as tribos inimigas ou vizinhas e das mudanças produzidas pelas migrações, experiências históricas, etc. Para que a comunidade siga existindo segundo o modo antigo, como tal, é necessária a reprodução de seus membros sob as condições objetivas pressupostas. A própria produção, o progresso da população (a qual também pertence ao âmbito da produção) suprimem gradualmente e necessariamente estas condições; as destroem em vez de reproduzi-las, etc., e desse modo se desintegra a entidade comunitária junto com as condições de propriedade em que estava baseada. A forma asiática é necessariamente a que se mantém com maior persistência e duração. Isto está implícito em seus pressupostos: que o indivíduo não chega a ser independente da comunidade, que há um círculo auto sustentável15 da produção, uma unidade da agricultura e a manufatura, etc. Se o indivíduo muda sua relação com a comunidade, muda desse modo à comunidade e atua em forma destrutiva sobre ela, assim como sobre seu pressuposto econômico; por outro lado, a mudança deste suposto econômico, provocado por sua própria dialética, empobrecimento, etc. Em especial a influência da organização guerreira e a conquista, que em Roma, por exemplo, é essencialmente parte das condições econômicas da própria comunidade, destrói o vínculo real sobre o qual esta se baseia. Em todas estas formas, a reprodução das relações pressupostas entre o indivíduo e sua comunidade - relações em maior ou menor grau naturais ou produto de um processo histórico, porém tradicionais - e de uma existência objetiva determinada, para ele predeterminada, tanto com relação às condições do trabalho como com relação a seus companheiros de trabalho e de tribo, é o fundamento do desenvolvimento, que, em consequência, é doravante um desenvolvimento limitado, mas que, ao trazer a superação dos limites, representa decadência e ruína. O desenvolvimento da escravidão, a concentração da propriedade da terra, o intercâmbio, o sistema monetário, a conquista, etc., atuaram assim entre os romanos ainda quando todos estes elementos pareceram compatíveis com o fundamento e pareceram em parte ampliações inofensivas deste, em parte excessos derivados do mesmo. Podem dar-se aqui grandes desenvolvimentos dentro de um âmbito determinado. Os indivíduos podem aparecer como grandes. Mas não há que pensar aqui em um desenvolvimento livre e pleno, nem do indivíduo, nem da sociedade, pois tal desenvolvimento está em contradição com a relação originária.

1 Membro de um demos, circunscrição territorial básica.
2Tribo.
3Ou, estas linhagens romanas na edição de 1939.
4Sacras.
5Membros da gens ou grupo teoricamente consanguíneo que constituía a unidade social básica.
6Habitantes de uma zona de Holstein, no atual estado de Schleswig Holstein
7Plural de gens
8ager publicus, terra pública.
9In fac
10ager publicus, terra pública.
11ager publicus, terra pública.
12ager publicus, terra pública.
13ager publicus, terra pública.
14Au fond
15self-sustaining


Nunca encontraremos entre os antigos uma investigação acerca de qual forma da propriedade da terra , etc., é a mais produtiva, cria a maior riqueza. A riqueza não aparece como objetivo da produção, ainda que Catão pudesse investigar qual cultivo do campo é o mais lucrativo, ou Bruto emprestar dinheiro ao melhor juro. A investigação versa sempre acerca de qual modo aparece como fim em si mesmo entre os poucos povos comerciantes – monopolistas do comércio itinerante1 - que vivem nos poros do mundo antigo, tal como os judeus na sociedade medieval. A riqueza é aqui, por um lado, coisa, algo realizado em coisas, em produtos materiais, ao quais se contrapõe o homem com sujeito; por outra parte, como valor, é mero controle sobre trabalho alheio, mas não com o objetivo do domínio mas do gozo privado, etc. Em todas estas formas se faz presente com a configuração de coisa, trata-se de uma coisa ou de relação por meio das coisas, que reside fora do indivíduo e acidentalmente junto a ele. Por isso, a concepção antiga segundo a qual o homem, qualquer que seja a limitada determinação nacional, religiosa ou política em que se apresente, aparece sempre, igualmente, como objetivo da produção, parece muito excelsa frente ao mundo moderno onde a produção aparece como objetivo do homem e a riqueza como objetivo da produção. Mas, de fato, despoja-se a riqueza de sua limitada forma burguesa. O quê é a riqueza senão a universalidade das necessidades, capacidades, gozos, forças produtivas, etc., dos indivíduos, criada no intercâmbio universal? O quê, senão o desenvolvimento pleno do domínio humano sobre as forças naturais, tanto sobre as da assim chamada natureza como sobre sua própria natureza? O quê, senão a elaboração absoluta de suas disposições criadoras sem outro pressuposto que o desenvolvimento histórico prévio,que converte em objetivo a esta plenitude total do desenvolvimento, quer dizer ao desenvolvimento de todas as forças humanas em quanto tais, não medidas com um padrão preestabelecido? O quê, senão uma elaboração como um resultado da qual o homem não se reproduz em seu caráter determinado mas que produz sua plenitude total? Como resultado da qual não busca permanecer como algo que tornou-se mas que está no movimento absoluto do tornar-se? Na economia burguesa – e na é poca da produção que a ela corresponde – esta elaboração plena do interno, aparece como esvaziamento pleno, esta objetivação universal, como alienação total, e a destruição de todos os objetivos unilaterais determinados, como sacrifício do objetivo próprio frente a um objetivo completamente externo. Por isso o infantil mundo antigo aparece, por um lado, como superior. Por outro lado, o é em tudo aquilo em que se busque configuração fechada, forma e limitação dada. É satisfação desde um ponto de vista limitado, enquanto o mundo moderno já insatisfeito ou ali onde aparece satisfeito consigo mesmo é vulgar.

O que o Senhor Proudhon chama de a gênese extraeconômica da propriedade – e por propriedade entende precisamente propriedade da terra – é a relação pré-burguesa do indivíduo com as condições objetivas do trabalho e, sobretudo, com as – condições objetivas do trabalho - naturais, pois enquanto o sujeito que trabalha é indivíduo natural, existência natural, esta primeira condição objetiva de seu trabalho aparece como natureza, como terra, como seu corpo inorgânico; ele mesmo não é só corpo orgânico mas também esta natureza inorgânica enquanto sujeito. Esta condição não é seu produto, mas algo dado previamente: lhe está pressuposta como existência natural fora dele. Antes de que analisemos isto mais em detalhe, agreguemos que o bom Proudhon não só podia, mas que devia, acusar tanto ao capital com ao trabalho assalariado – enquanto formas de propriedade – de provir (provenir) de uma gênese extraeconômica. Pois a existência das condições objetivas do trabalho como algo separado do trabalhador, como capital, e a preexistência para o capitalista do trabalhador como desprovido de propriedade, como trabalhador abstrato, a troca como se dá entre valor e trabalho vivo, representam um processo histórico – por mais que o capital e o trabalho assalariado mesmo reproduzam esta relação e a elaborem tanto em seu alcance objetivo como em profundidade - , um processo histórico que, como temos visto, constitui a história da gênese do capital e do trabalho assalariado. Em outras palavras: a gênese extraeconômica da propriedade significa apenas a gênese histórica da economia burguesa, das formas de produção que alcançam sua expressão teórica ou ideal por meio das categorias da economia política. O fato de que a história pré-burguesa, e cada uma de suas fases, tenha também sua economia e um fundamento econômico de seu movimento, é no fundo2 a mera tautologia de que a vida do homem, de uma maneira ou de outra3, descansou desde sempre sobre a produção social, cujas relações chamamos precisamente relações econômicas .

As condições originárias da produção (ou, o que é o mesmo, da reprodução de um número crescente de pessoas por meio do processo natural de ambos os sexos, pois esta reprodução, embora apareça, por um lado, como apropriação dos objetos pelo sujeito, pelo outro aparece igualmente como conformação do objetos por um fim subjetivo, como sujeição dos objetos a esse fim ; transformação destes objetos em resultados e receptáculos da atividade subjetiva) originariamente não podem ser elas mesmas produzidas, não podem ser resultado da produção. O que necessita explicação, ou é resultado de um processo histórico, não é a unidade do homem vivente e atuante, por um lado, com as condições inorgânicas, naturais, de seu metabolismo com a natureza, pelo outro, e, portanto, sua apropriação da natureza, mas a separação entre estas condições inorgânicas da existência humana e esta existência ativa, uma separação que pela primeira vez é posta plenamente na relação entre trabalho assalariado e capital. Na relação de escravidão e servidão esta separação não tem lugar, mas que uma parte da sociedade é tratada pela outra precisamente como mera condição inorgânica e natural da reprodução desta outra parte. O escravo não está em nenhuma relação com as condições objetivas de seu trabalho, mas que o próprio trabalho, tanto na forma do escravo como na do servo, é colocado como condição inorgânica da produção dentro da série dos outros seres naturais, junto ao gado ou como acessório da terra. Em outras palavras: as condições originárias da produção aparecem como pressupostos naturais, como condições naturais de existência do produtor, exatamente igual que seu corpo vivente, o qual, por mais que ele o reproduza e desenvolva, originariamente não é posto por ele mesmo mas que aparece como o pressuposto de si mesmo; sua própria existência (corporal) é um pressuposto natural, que ele não colocou. Estas condições naturais de existência, com relação às quais ele se comporta como com um corpo inorgânico que lhe pertence, são elas mesmas duplas: 1) de natureza subjetiva, 2) de natureza objetiva. O produtor preexiste como membro de uma família, de uma tribo, de uma tribo no sentido romano, etc. Que logo por meio da mistura e da oposição com outras toma uma configuração histórica mente diversa, e como e como tal membro se relaciona com uma natureza determinada digamos aqui todavia terra, solo) como com a existência inorgânica de si mesmo, como com uma condição de sua produção e reprodução. Como membro natural da entidade comunitária participa da propriedade coletiva e tem uma parte particular em possessão, assim como, enquanto cidadão romano de nascimento, tem (pelo menos4) um direito ideal ao terreno público5 e um direito real a tal ou qual número de juggera6 de terra, etc. Sua propriedade, quer dizer a relação com os pressupostos naturais de sua produção como pertencentes a ele, como seus, é mediada por meio do fato de ser ele membro natural de uma entidade comunitária. (A abstração de uma entidade comunitária na qual os membros não têm nada de comum, a não ser a linguagem, etc., e apenas isto, é manifestamente o produto de um estado histórico muito posterior.) Em relação com o indivíduo é por exemplo claro que o mesmo se comporta com relação à língua como com sua própria língua só enquanto membro natural de uma comunidade humana. A língua como produto de um indivíduo é um absurdo. Mas na mesma medida o é a propriedade.

A língua mesma é tanto o produto de uma entidade comunitária, como, desde outro ponto de vista, ela mesma é a existência da entidade comunitária e a existência dessa comunidade enquanto ela mesma falante. A produção coletiva e a propriedade coletiva, tal como se apresenta por exemplo no Peru, é manifestamente uma forma secundária, introduzida e transmitida por tribos conquistadoras, que conheceram elas mesmas a propriedade comum e a produção coletiva na forma antiga e mais simples, tal como aparecem na Índia e entre os eslavos. Igualmente, a forma transmitida secundária, introduzida por conquistadores nas tribos conquistadas, que se encontravam em um nível mais baixo. O aperfeiçoamento e a elaboração sistemática deste sistema a partir de um centro supremo mostra uma origem tardia. De igual modo que na Inglaterra o feudalismo importado alcançou uma forma mais cabada que na França, onde havia surgido naturalmente. Em tribos pastoras nômades – e todos os povos pastores são originariamente nômades – a terra, ao igual que as outras condições naturais aparece com um caráter ilimitado elemental, por exemplo nas estepes e altiplanes asiáticas. Se a utiliza para pastagem, etc., é consumida pelos rebanhos, que a sua vez são base da existência dos povos pastores. Se comportam com a terra como com sua propriedade, ainda quando nunca fixam essa propriedade. O mesmo, na terra de caça das tribos selvagens da América: a tribo considera certa região como sua zona de caça e reafirma isto pela violência frente a outras tribos ou trata de expulsar a outras tribos da região que ela mesma reclama. Nas tribos pastoras nômades, a comunidade está de fato sempre reunida, como grupo em movimento, caravana, horda, e as formas de super e subordinação se desenvolvem a partir destas condições deste modo de vida. Neste caso, do que há apropriação e reprodução é de fato do rebanho e não da terra, a qual, não obstante, é sempre utilizada temporariamente, na forma coletiva, nos pontos elevados. O único limite que pode encontrar a entidade comunitária em seu comportamento com as condições naturais da produção – a terra – (passando já diretamente à consideração dos povos sedentários) como com condições suas, é outra entidade comunitária que já as reclame como seu corpo inorgânico. Por isso é a guerra um dos trabalhos mais originários de todas as entidades comunitárias naturais, tanto para a afirmação da propriedade como para a nova aquisição desta. (Em verdade podemos aqui contentarmos com falar de propriedade originária do solo, pois entre os povos pastores a propriedade dos produtos da terra naturalmente existentes – as ovelhas por exemplo7 – é ao mesmo tempo propriedade das pradarias que transitam. Em geral, a propriedade do solo está compreendida à dos produtos orgânicos deste.) Se ao homem mesmo se o conquista junto com o solo, como acessório orgânico deste, se o conquista então como uma das condições da produção e assim surge a escravidão e servidão, que pronto adultera e modifica a forma originária de toda entidade comunitária e chega a converter-se em base desta. De tal modo, a estrutura simples resulta negativamente determinada.

1carrying trade : comércio itinerante que implica transporte de bens.
2Au fond.
3D'une manière ou d'une autre
4at least
5ager publicus, terra pública.
6Yugada: medida romana de superfície equivalente a 2.500 m².
7f.i: abreviatura de “for instance”


Propriedade não significa então originariamente senão o comportamento do homem com suas condições naturais de produção como com condições pertencentes a ele, suas, pressupostas juntas com sua própria existência; comportamento com elas como com pressupostos naturais de si mesmo, que, por assim dizê-lo, só constituem a prolongação de seu corpo. Não se trata propriamente de um comportamento em relação a suas condições de produção, senão que ele existe duplamente: tanto subjetivamente enquanto ele mesmo, como objetivamente nestas condições inorgânicas naturais de sua existência. As formas destas condições naturais da produção são duplas: 1) sua existência como membro de uma entidade comunitária; em consequência, a existência desta entidade comunitária, que em sua forma originária é organização tribal, organização tribal modificada em maior ou menor grau; 2) o comportamento com o solo como com algo que é seu por intermédio da comunidade comunitária, como frente a uma propriedade territorial coletiva que, ao mesmo tempo, é possessão individual para o indivíduo ou de tal modo que só se repartem os frutos, mas o solo mesmo e seu cultivo permanecem em comum. Enquanto as habitações, etc., mesmo em se tratando dos carros dos citas1, sempre aparecem, contudo, em possessão do indivíduo. Uma condição natural de produção para o indivíduo vivente é seu pertencimento a uma sociedade natural, tribo, etc. Esta já é condição, por exemplo, para sua linguagem, etc. Sua própria existência produtiva só se dá sob essa condição. Sua existência subjetiva enquanto tal está condicionada por essa condição, assim como está por seu comportamento com a terra como com seu laboratorium. (Por certo, a propriedade é originariamente móvel, pois o homem se apropria antes de tudo2 dos frutos disponíveis da terra, o que inclui, entre outras coisas, aos animais e para ele, em especial, os domesticáveis. Embora mesmo este estado Ainda que inclusive este estado – caça, pesca, pastoreio, coleta dos frutos das árvores, etc. - suponha sempre apropriação da terra, seja para uma residência fixa, seja para a itinerância3, seja para pastar os animais, etc.)

A propriedade significa então pertencer a uma tribo (entidade comunitária) (ter nela existência subjetiva-objetiva) e por intermédio do comportamento desta entidade comunitária frente à terra, comportamento do indivíduo com a terra, com a condição originária da produção - pois a terra é ao mesmo tempo material em bruto, instrumento, fruto – como com pressupostos correspondentes a sua individualidade, modos de existência desta. Reduzimos esta propriedade ao comportamento frente às condições da produção. Por que não do consumo, já que originariamente o produzir do indivíduo se limita ao produzir seu próprio corpo por meio da apropriação de objetos já prontos, preparados para o consumo pela própria natureza? Inclusive ali onde só há que encontrar e descobrir, isto logo requer esforço, trabalho – e produção (isto é, desenvolvimento) de certas capacidades por parte do sujeito. Mas também, os estados em que pode tomar-se o existente sem instrumento algum (por conseguinte inclusive sem produtos do trabalho já destinados à produção), sem mudança de forma (que já tem lugar inclusive no pastoreio), etc., devem considerar-se como estados que muito rapidamente desaparecem e que em nenhuma parte são normais; tampouco como estados originários normais. Em outros casos, as condições originárias da produção incluem por si mesmas matérias consumíveis diretamente, sem trabalho, tais como frutos, animais, etc.; em consequência, o próprio fundo de consumo aparece como um componente do fundo originário de produção.

A condição fundamental da propriedade baseada na tribo ( à qual originariamente se reduz a entidade comunitária) – ser membro da tribo – faz à tribo estrangeira conquistada por outra tribo, à tribo submetida, uma tribo sem propriedade e a reduz a ser uma condição inorgânica da produção, com a qual a entidade comunitária se comporta como com uma condição própria. Por isso, escravidão e servidão são apenas desenvolvimentos posteriores da propriedade baseada na organização tribal. Modificam necessariamente todas as formas desta. A forma a qual menos podem afetar é a forma asiática. Na unidade auto sustentável4 de manufatura e agricultura, na qual se baseia esta forma, a conquista não é condição tão necessária como ali onde a propriedade da terra, a agricultura, predomina exclusivamente. Por outro lado, dado que nesta forma o indivíduo nunca se converte em proprietário mas apenas em possuidor, ele mesmo é no fundo5 a propriedade, o escravo daquilo em que se faz presente a unidade da comunidade, e aqui a escravidão não elimina as condições do trabalho nem modifica a relação essencial.

Está claro até aqui que:

A propriedade, enquanto é só o comportamento consciente – e posto para o indivíduo pela entidade comunitária e proclamado e garantido como lei – com as condições de produção como com condições suas e enquanto a existência do produtor aparece como uma existência dentro das condições objetivas a ele pertencentes, só se efetiva por meio da própria produção. A apropriação efetiva não ocorre primeiramente na relação pensada com estas condições, mas na relação ativa, real, o efetivar destas como as condições de sua atividade subjetiva.

Mas, por conseguinte, fica ao mesmo tempo claro que estas condições se modificam. Por meio da caça que as tribos realizam, uma região chega a converter-se em distrito de caça; por meio da agricultura, a terra, o solo, é posto pela primeira vez como prolongação do corpo do indivíduo. Depois que se construiu a cidade de Roma e seus cidadãos cultivaram as terras circundantes, as condições da comunidade passaram a ser outra que as anteriores. O objetivo de todas estas entidades comunitárias é sua conservação, quer dizer a reprodução dos indivíduos que a compõem como proprietários, quer dizer sua reprodução no mesmo modo de existência, o qual constitui ao mesmo tempo o comportamento dos membros entre si e por conseguinte constitui a própria comunidade. Mas, ao mesmo tempo, esta reprodução é necessariamente nova produção e destruição da forma antiga. Por exemplo, ali onde cada um dos indivíduos pode possuir certo número de acres de terra, o mero aumento da população já constitui um impedimento. Para superá-lo se faz necessária a colonização e esta faz necessária a guerra de conquista. Como resultado, escravos, etc. Também ampliação do terreno público6 por exemplo e patrícios que representam à comunidade, etc. De tal modo a conservação da comunidade antiga implica a destruição das condições nas quais se baseia, se converte em seu oposto. Se se pensara que a produtividade pudesse aumentar-se dentro do mesmo território, etc., por meio do desenvolvimento das forças produtivas (este desenvolvimento mostra na agricultura tradicional uma lentidão máxima), isto requereria novos modos, combinações do trabalho, grande parte da jornada dedicada à agricultura, etc, e de tal modo se eliminariam também ( ao mesmo tempo) as velhas condições econômicas da entidade comunitária. No próprio ato da reprodução não só se modificam as condições objetivas, por exemplo a aldeia vira cidade, a terra inculta, campo limpo, etc., mas que também se modificam os produtores, enquanto desdobram novas qualidades, se desenvolvem a si mesmos por meio da produção, se transformam, constroem novas forças e novas representações, novos modos de inter-relação, novas necessidades e nova linguagem. Quanto mais tradicional o próprio modo de produção – e este perdura largamente na agricultura, e na manufatura - , quer dizer, quanto mais permanece igual a si mesmo o processo efetivo da produção, tanto mais constantes são as antigas formas de propriedade e com isso a entidade comunitária em geral. Onde já se dá a separação dos membros da comunidade como proprietários privados em relação a si mesmos como comunidade urbana e como proprietários de território urbano, se fazem presentes também condições por meio das quais o indivíduo pode perder sua propriedade, quer dizer, se dá a dupla relação que o faz cidadão de igual nível que os demais, membro da entidade comunitária, e o faz proprietário. Na forma oriental esta perda da propriedade quase não é possível, exceto por meio de influxos completamente exteriores, pois o membro individual da comunidade nunca entra em uma relação livre com ela, tal que pudesse perder seu nexo objetivo, econômico, com a comunidade. Está definitivamente arraigado. Isto se baseia também na união de manufatura e agricultura, de cidade (a aldeia, vila) e campo. Entre os antigos, a manufatura e a agricultura aparecem como uma decadência (ocupação dos “libertos”7 , clientes, estrangeiros), etc. Este desenvolvimento do trabalho produtivo (separado da subordinação pura à agricultura como trabalho doméstico de gente livre, manufatura destinada só à agricultura e a guerra ou para o serviço divino e manufatura utilizada pela entidade comunitária, como construção de casas, de ruas, de templos, que se desenvolveu necessariamente por meio do trato com os estrangeiros, escravos, da ânsia de intercambiar o produto excedente, etc., dissolve o modo de produção sobre o qual está baseada a entidade comunitária e também portanto o indivíduo objetivo, isto é, o indivíduo determinado como romano, grego, etc. De igual modo atua o intercâmbio, o endividamento, et cétera.

A unidade originária entre a forma determinada de organização comunal (tribal) e a correspondente propriedade sobre a natureza ou comportamento para com as condições objetivas da produção como com uma existência natural, como com a existência objetiva do indivíduo, mediada pela comunidade – esta unidade, que, por um lado, aparece como a particular forma de propriedade -, tem sua realidade vivente em um modo determinado da própria produção, um modo que aparece tanto como comportamento dos indivíduos entre si quanto como comportamento ativo determinado deles com a natureza inorgânica, modo de trabalho determinado (o qual é sempre trabalho familiar, a miúdo trabalho comunitário). Como primeira grande força produtiva se apresenta a própria comunidade; de acordo com o tipo particular de condições de produção (por exemplo, pecuária, agricultura) se desenvolvem modos de produção particulares e forças produtivas particulares, tanto subjetivas, que aparecem enquanto propriedades dos indivíduos, como objetivas.

Um estágio determinado do desenvolvimento das forças produtivas dos sujeitos que trabalham, ao qual correspondem relações determinadas dos mesmos entre si e com a natureza: a isso se reduz em última instância sua entidade comunitária, assim como a propriedade baseada sobre ela. Até certo ponto, reprodução. Logo se transforma (trastrueca) em dissolução.

Propriedade significa então originariamente – e o mesmo em sua forma asiática, eslava, antiga, germânica – comportamento do sujeito que trabalha (produtor) (o que se reproduz) com as condições de sua produção ou reprodução como com algo seu. Terá, em consequência, distintas formas segundo as condições desta produção. A produção mesma tem como objetivo a reprodução do produtor nas e com estas suas condições objetivas de existência. Este comportamento como proprietários – não enquanto resultado mas enquanto pressuposto do trabalho, isto é da produção – pressupõe uma existência determinada do indivíduo como membro de uma entidade comunitária ou tribal (da qual ele mesmo é até certo ponto propriedade). A escravidão, a servidão, etc., onde o trabalhador mesmo aparece entre as condições naturais da produção para um terceiro indivíduo ou entidade comunitária (este não é por exemplo o caso na escravidão geral do Oriente; só o é desde o ponto de vista8 europeu) e, em consequência, a propriedade não é o comportamento dom as condições objetivas do trabalho por parte do indivíduo nunca originário, embora necessário e consequente, da propriedade fundada sobre a entidade comunitária e sobre o trabalho no seio da entidade comunitária. É por certo mais muito fácil imaginar-se um indivíduo poderoso, fisicamente superior, que primeiro captura animais e logo captura homens, para capturar por meio deles mais animais, que, em suma se serve do homem como de uma condição natural preexistente de sua reprodução ao igual que se serve de qualquer outro ser natural ( com o qual seu próprio trabalho se reduz ao mando, etc.) Mas tal imagem é estúpida – por mas correta que seja desde o ponto de vista de entidades comunitárias ou tribais dadas – porque parte do desenvolvimento de homem isolados. O homem só se isola por meio do processo histórico. A parece originariamente com um ser genérico, um ser tribal, um animal político9 no sentido político. O intercâmbio mesmo é um meio fundamental para este isolamento. Torna supérfluo o caráter gregário e dissolve-o. Nem bem a coisa chegou a tal ponto que ele como indivíduo isolado já se relaciona só consigo mesmo, resulta contudo que os meios para por-se a si mesmo como indivíduo isolado chegaram a consistir em seu tornar-se ser geral e comunal. Nesta entidade comunitária, a existência objetiva do indivíduo como proprietário, digamos por exemplo como proprietário da terra, está pressuposta e por certo sob certas condições que o encadeiam à entidade comunitária ou que, mais ainda, o convertem em um elo dessa cadeia. Na sociedade burguesa, o operário por exemplo está presente de uma maneira puramente subjetiva, desprovida de caráter objetivo, mas a coisa, que se contrapõe a ele, tornou-se a verdadeira entidade comunitária, a qual ele trata de devorar e pela qual é devorado.

Todas as formas (em maior ou menor grau naturais, mas todas ao mesmo tempo resultado também do processo histórico), nas quais a entidade comunitária pressupõe aos sujeitos em uma unidade objetiva determinada com suas condições de produção, nas quais se dá uma existência subjetiva determinada que pressupõe à entidade comunitária mesma como condições de produção, necessariamente correspondem só à um desenvolvimento limitado, limitado por princípio, das forças produtivas. O desenvolvimento das forças produtivas dissolve a essas comunidades e tal dissolução é ela mesma um desenvolvimento das forças produtivas humanas. Se trabalha primeiro a partir de um certo fundamento: primeiro natural , depois pressuposto histórico. Mas logo este fundamento ou pressuposto mesmo é eliminado ou posto como um pressuposto que há de desaparecer e que se tornou demasiado estreito para o desdobramento da massa humana em progresso.

Enquanto a antiga propriedade territorial reaparece na propriedade parcelária, se lhe deve incluir na economia política e nos ocupamos dela no fragmento sobre a propriedade da terra.

(Voltar a tudo isto em mais detalhe e com maior profundidade)

1Os citas eram um antigo povo iraniano de pastores nômades equestres. NT,
2d'abord
3roaming
4self-sustaining
5au fond
6ager publicus, terra pública.
7Libertini
8Point of view
9

Aquilo que nos ocupa aqui em primeiro lugar: o comportamento do trabalho com o capital, ou com as condições objetivas do trabalho presentes como capital, pressupõe um processo histórico, que dissolve as diversas formas nas quais o trabalho é proprietário ou o proprietário trabalha. Assim, essencialmente (sobretudo): 1) dissolução do comportamento para com a terra – solo – como com uma condição natural da produção, com a qual o trabalhador se comporta como com sua própria existência inorgânica, como com o laboratorium de suas forças e o domínio de sua vontade. Todas as formas nas quais está presente esta propriedade supõem uma entidade comunitária, cujos membros, quaisquer que sejam as diferenças formais, que possam existir entre eles, como membros da mesma são proprietários. A forma originária desta propriedade é, em consequência, ela mesma propriedade comum imediata (forma oriental, modificada na eslava, desenvolvida até sua antítese, mas, contudo, ainda fundamento oculto, embora antiético, na propriedade antiga e germana). 2) Dissolução das relações nas quais ele aparece como proprietário do instrumento. Assim como a forma acima citada da propriedade da terra supõe uma entidade comunitária real, de igual modo, esta propriedade do instrumento por parte do trabalhador supõe uma forma particular do desenvolvimento do trabalho manufatureiro como trabalho artesanal; com isto se conecta o sistemadas corporações de ofício, etc. (O sistema manufatureiro oriental antigo pode ser já considerado sob 1.) Aqui o trabalho mesmo é ainda metade artesania, metade fim em si mesmo, etc. Maestria. O capitalista mesmo, ainda mestre. A habilidade particular para um trabalho também assegura a possessão do instrumento, etc. Logo, caráter hereditário, em certa medida, do modo de trabalho, junto com a organização do trabalho e o instrumento de trabalho. Organização urbana medieval. O trabalho todavia como algo próprio; desenvolvimento determinado autossuficiente de capacidades unilaterais, etc. 3) Implícito em ambos os casos, que o trabalho antes da produção – em consequência durante a produção, antes da finalização da mesma – tem em sua possessão o meios de consumo necessários para viver como produtor. Como proprietário da terra, ele aparece fornecido diretamente do fundo de consumo necessário. Como mestre artesão, o herdou, ganhou, salvou, e, como jovem artesão, é primeiro aprendiz, caso no qual ainda não aparece como trabalhador propriamente dito, autônomo, mas que comparte patriarcalmente o custo com o mestre. Como oficial (efetivo) há uma certa comunidade do fundo de consumo que possui o mestre. Embora esse fundo não seja propriedade dos oficiais, contudo, de acordo com as leis da corporação, com suas tradições, etc., é pelo menos sua possessão comum, etc.(Prosseguir com este tema.) 4) Por outro lado dissolução, igualmente, das relações nas quais os trabalhadores mesmos, as capacidades vivas do trabalho estão ainda imediatamente incluídas entre as condições objetivas de trabalho e como tais são apropriadas e são portanto escravos ou servos. Para o capital, o trabalhador não é condição alguma da produção, mas que só é o trabalho. Se ele pode cumpri-los por meio de máquinas, ou simplesmente por meio da água ou do ar, tanto melhor1. E o capital não se apropria do trabalhador mas de seu trabalho, não imediatamente, mas mediado pelo intercâmbio.

Estes são, então, por um lado, os pressupostos históricos para que encontremos o trabalhador como trabalhador livre, como capacidade de trabalho puramente subjetiva, desprovida de objetividade, enfrentando às condições objetivas da produção como a sua não propriedade, como a propriedade alheia, como valor que para si mesmo. Mas, por outro lado, perguntamos: que condições são necessárias para que o trabalhador encontre diante de sí um capital?

Na fórmula do capital, na qual o trabalho vivo se comporta como o material bruto, tanto como instrumento, como também com os meios de subsistência requeridos durante o trabalho tratando-os como não propriedade, de maneira negativa, primeiro2 está implícita a não propriedade da terra, se nega aquele estado no qual o indivíduo que trabalha se comporta com a terra como com algo próprio, isto é, que trabalha, que produz, como proprietário do solo. A propriedade do solo implica potencialmente tanto a propriedade do material em bruto como a do instrumento originário, a terra mesma, como também a dos frutos espontâneos desta. Posto isto em sua forma mais originária, significa comportar-se com a terra como proprietário, encontrar nela material em bruto como algo disponível, também instrumento e meios de subsistência não criados pelo trabalho mas pela terra mesma. Uma vez produzida esta relação, os instrumentos secundários e os frutos da terra criados pelo trabalho mesmo, aparecem como incluídos na propriedade da terra em suas formas mais primitivas. Em consequência, na relação do trabalhador com as condições de trabalho enquanto capital, este estado histórico é negado primeiramente como comportamento que implica uma relação mais plena de propriedade. Este é o estado histórico nº I, o qual nesta relação é negado ou é pressuposto como historicamente dissolvido. Mas, em segundo lugar, ali onde se dá a propriedade do instrumento, ou o comportamento do trabalhador com o instrumento como como algo próprio, ali onde o trabalhador trabalha como proprietário do instrumento (o qual por sua vez pressupõe a subsunção do instrumento sob seu trabalho individual, quer dizer que pressupõe estágios particulares limitados do desenvolvimento da produtividade do trabalho), ali onde está posta esta forma do trabalhador como proprietário ou do proprietário trabalhador como forma autônoma junto à propriedade da terra, e fora desta (isto é, onde se dá o desenvolvimento artesanal e urbano do trabalho), não como no primeiro caso enquanto acidente da propriedade da terra e subsumida sob esta e em consequência também o material em bruto e os meios de subsistência são agora mediados enquanto propriedade do artesão, mediados por seu trabalho artesanal, por sua propriedade do instrumento), ali, então, já está pressuposto um segundo estagio histórico junto e simultaneamente fora do primeiro, e o primeiro mesmo, a su vez, já deve aparecer significativamente modificado por meio da autonomização deste tipo de propriedade ou de proprietário trabalhador. Dado que o instrumento mesmo é já produto do trabalho e, em consequência, o elemento que constitui a propriedade já é posto como resultado do trabalho, a entidade comunitária já não pode aparecer aqui na forma natural, como no primeiro caso – a entidade comunitária, sobre a qual está fundado este tipo de propriedade -, mas como entidade comunitária que já é ela mesma produzida, gerada, secundária, já produzida pelo trabalho mesmo. Resulta claro que ali onde a propriedade do instrumento é o comportamento com as condições de produção do trabalho efetivo como meio para o trabalho individual; a arte de apropriar-se efetivamente do instrumento, de manejá-lo como meio de trabalho, aparece como uma habilidade particular do trabalhador, a qual o põe como proprietário do instrumento. Em suma, o caráter essencial da organização corporativa gremial, do trabalho artesanal como sujeito deste enquanto constituinte de proprietários, há de reduzir-se ao comportamento com o instrumento de trabalho como propriedade – a diferença do comportamento com a terra, com o solo (com a matéria prima enquanto tal) como com algo próprio, O que o comportamento com este modo singular das condições de produção constitua ao sujeito trabalhador como proprietário, que o faça um proprietário que trabalha, ou seja, este estado histórico nº II – que, de acordo com sua natureza, só pode existir como ampliação do primeiro modificado – é algo que também é negado na primeira fórmula do capital. A terceira forma possível, ou seja comportar-se como proprietário só com os meios de subsistência, encontrá-los a estes, dados como condição natural do sujeito que trabalha, sem comportar-se como o solo nem com o instrumento nem tampouco com o trabalho mesmo como algo próprio, é no fundo a fórmula da escravidão e servidão, que também é negada, que está posta como estado historicamente dissolvido na relação do trabalhador com as condições de produção como capital. As formas originárias da propriedade se reduzem necessariamente à relação com os distintos momentos objetivos como próprios; constituem o fundamento econômico de formas distintas de entidades comunitárias e, de igual modo, têm como presuposto, por sua parte, formas determinadas de entidade comunitária. Essas formas são essencialmente modificadas ao ser colocado o trabalho entre as condições objetivas da produção (servidão e escravidão) com o qual se modifica i se perde o caráter afirmativo simples de todas as formas de propriedade incluíveis no nº I. Todas elas contêm em si a escravidão como possibilidade e, por isso, como sua própria abolição. No que se refere à nº II, onde o tipo particular do trabalho - a maestria em tal trabalho e correspondentemente a propriedade do instrumento de trabalho igual propriedade das condições de produção -, exclui por certo escravidão e servidão, mas sob a forma da organização de castas pode conter um desenvolvimento análogo negativo. A terceira forma, a da propriedade dos meios de subsistência – quando não se reduz à escravidão e à servidão -, não pode conter uma relação do indivíduo que trabalha com as condições de existência; só pode, em consequência, sem a relação do membro da entidade comunitária originária, fundada na propriedade da terra, mas que perdeu a propriedade da terra e todavia não passou ao tipo II, tal como no caso da plebe romana na época do panes et circenses3 A relação do agregado4 com seu senhor territorial, ou a prestação pessoal, é essencialmente diferente. Pois no fundo5, ela representa só um modo de existência do proprietário mesmo da terra, o qual já não trabalha, mas cuja propriedade inclui entre as condições da produção aos próprios trabalhadores como servos, etc. Aqui, a relação senhorial como relação essencial da apropriação. Com o animal, com o solo, etc. , não pode ter lugar no fundo6 relação senhorial alguma por meio da apropriação ainda quando o animal possa servir. A apropriação de uma vontade alheia é pressuposto da relação senhorial. Por certo, o desprovido de vontade, como o animal por exemplo, pode então servir, mas não faz a seu proprietário senhor. Do visto resulta que a relação senhorial e a relação de servidão correspondem igualmente a esta fórmula da apropriação dos instrumentos de produção e constituem um fermento necessário do desenvolvimento e da decadência de todas as relações de propriedade e de produção originárias, tanto que expressam também o caráter limitado destas. Sem dúvida se reproduzem – em forma mediada – no capital e, de tal modo, constituem também um fermento para sua dissolução e são emblema do caráter limitado daquele.

1Tant mieux
2D'abord.
3Pão e circo
4retainer: servidor ligado à casa do senhor, agregados
5Au fond
6Au fond



O poder de vender-se a si mesmo e aos seus por necessidade foi um direito penoso e geral: teve vigência no norte assim como entre os gregos e na Ásia; quase igualmente difundido estava o direito do credor a tomar como seu servo a aquele que se atrasara no pagamento e a fazer-lhe pagar até onde pudesse com seu trabalho ou com a venda de sua pessoa” (Niebuhr, 1, p. 600).

Niebuhr disse em algum lugar que, para os escritores gregos que escreviam na época de Augusto, a dificuldade e a falsa compreensão da ralação entre os patrícios e os plebeus e sua confusão desta relação com a relação entre patrões e clientes provinha de que eles “escreviam em uma época na qual ricos e pobres eram as únicas classes verdadeiras de cidadãos, na qual o indigente , por mais nobre que fosse sua origem, necessitava um protetor e ao milionário, ainda quando fora um liberto, se lhe buscava como protetor. Dificilmente poderia já reconhecer sequer rastros de relações hereditárias de lealdade” (I, 620). “Os artesãos se encontravam em ambas as classes” - metecos e libertos e seus descendentes - “e o plebeu que abandonava a agricultura passava ao tipo de cidadania que aqueles estavam imitados. Nem sequer estavam privados de pertencer aos grêmios legais e suas corporações eram tão altamente respeitadas que se atribuiu sua fundação a Numa; eram 9: tocadores de pífano, ourives, carpinteiros, tintureiros, seleiros, curtidores, caldeireiros, oleiros e a nona corporação, que reunia aos demais ofícios... Alguns deles eram cidadãos autônomos, isopolitas1 que não dependiam, de nenhum patrão (quando tal direito existia), e descendentes de servos, cujo laço se havia dissolvido por meio da extinção da linhagem de seus patrões: todos eles eram tão alheios às disputas dos velhos cidadãos e dá comunidade como as corporações florentinas às querelas entre linhagens, tais como as dos guelfos e gibelinos; provavelmente os servos estiveram em sua totalidade a disposição dos patrícios,” (I, 623).

Por um lado se pressupõem processos históricos que colocaram a uma massa de indivíduos de uma nação, etc., em uma situação que, durante um primeiro momento não é a de verdadeiros trabalhadores livres, é, contudo, a de quem o são potencialmente2, cuja única propriedade é sua capacidade de trabalho e a possibilidade de trocá-lo por valores preexistentes, indivíduos aos quais todas as condições objetivas da produção se lhes contrapõem como propriedade alheia, como sua não-propriedade, mas ao mesmo tempo com trocáveis enquanto valores e portanto até um certo grau apropriáveis por meio de trabalho vivo. Tais processos históricos de dissolução implicam simultaneamente a dissolução das relações de servidão que fixam o trabalhador ao solo e ao senhor da terra, mas pressupõem faticamente propriedade de meios de subsistência por parte do servo: este é , em verdade, seu processo de separação da terra, dissolução das relações de propriedade territorial que não o constituíam como yeoman3, pequeno proprietário da terra, livre e que trabalha, ou como arrendatário (colonus), como camponês livre4; dissolução das relações de corporação, que pressupõe sua propriedade do instrumento de trabalho e o trabalho mesmo como habilidade artesanal determinada, como propriedade (não como fonte desta); igualmente, dissolução das relações de clientela as diversas formas em que não-proprietários aparecem no séquito de seu senhor como consumidores conjuntos do produto excedente5, e que como equivalente levam o uniforme de seu senhor, tomam parte de suas querelas, realizam prestações de serviços pessoais, imaginários ou reais, etc. Um exame mais detalhado mostrará que em todos esses processos de dissolução se dissolvem as relações de produção em que predomina o valor de uso, a produção para o uso imediato; o valor de troca e a produção do mesmo tem como pressuposto o predomínio por parte da outra forma: por conseguinte, em todas estas relações predominam as contribuições em espécie e os serviços em espécie sobre os pagamentos em dinheiro e as prestações em dinheiro. Mas isto só o mencionamos ao passar. Com uma consideração mais circunstanciada se encontrará igualmente que todas as relações dissolvidas só eram possíveis dado um grau determinado de desenvolvimento das forças produtivas materiais (e, em consequência, também das espirituais).

O que nos interessa qui em primeiro lugar é isto: o processo de dissolução que transforma a uma massa de indivíduos de uma nação, etc., em trabalhadores assalariados potencialmente6 (em indivíduos obrigados ao trabalho e à venda de trabalho só por meio de sua carência de propriedade), supõe, por outro lado, não que as fontes de renda e, em parte, as condições de propriedade destes indivíduos existentes até esse momento desapareceram, senão, ao inverso, que sua utilização mudou, que a índole da existência se transformou, que passaram a outras mãos como fundo livre ou também que ficaram em parte nas mesmas mãos. Mas isto é claro: o mesmo processo que separou a uma multidão de indivíduos de suas relações preexistentes afirmativas - de uma maneira ou de outra7 - com as condições objetivas do trabalho, processo que negou estas relações e desse modo transformou a estes indivíduos em trabalhadores livres, este mesmo processo liberou potencialmente8 a estas condições objetivas de trabalho - solo, material em bruto, meios de subsistência, instrumento de trabalho, dinheiro ou tudo isto em conjunto - de sua ligação vigente até então com os indivíduos agora separados delas. Estas ainda existem sob outra forma: como fundo livre, no qual se extinguiram todas as velhas relações políticas, etc. e que ainda estão contrapostas a esse indivíduo desprovido de propriedade só sob a forma de valores, de valores com base firme em si mesmos. O mesmo processo que contrapõe a massa, como trabalhadores livres, às condições objetivas de produção, contrapôs estas condições, como capital, aos trabalhadores livres. O processo histórico consistiu na separação de elementos até então ligados: por conseguinte, seu resultado não consiste em que um dos elementos desapareça, senão em que cada um deles apareça em uma relação negativa com o outro, o trabalhador livre (enquanto possibilidade), por um lado, o capital (enquanto possibilidade), pelo outro. A separação com relação às condições objetivas das classes que se vêm transformadas em trabalhadores livres, deve igualmente aparecer no polo contraposto como uma autonomização destas condições.

Se a relação de capital e trabalho assalariado não é considerada como a relação já de por si determinante e que predomina sobre o todo da produção9, senão como uma relação que se gera historicamente, quer dizer, se se considera a transformação originária de dinheiro em capital, o processo de intercâmbio entre o capital existente só potencialmente10, por um lado, com o trabalhador livre só potencialmente11 pelo outro, se impõe naturalmente a simples observação, à qual os economistas outorgam tanto peso, de que o lado que se apresenta como capital deve estar em possessão de matérias primas, instrumentos de trabalho e meios de subsistência para que o trabalhador possa viver durante a produção, antes de que a produção chegue ao seu término. Também, isto suscita a impressão de que deve ter ocorrido previamente uma acumulação - uma acumulação prévia ao trabalho e não surgida deste - por parte do capitalista, a qual o capacita para por a trabalhar aos operários e para mantê-los efetivamente, para mantê-los como capacidade vivente do trabalho12. Este ato do capital não posto pelo trabalho e independente dele é movido depois desde essa história de sua gênese até o presente, se os transforma em um momento de sua realidade e sua efetividade, em um momento de sua autoformatação. Em seguida, se deriva finalmente dali o direito do capital aos frutos do trabalho alheio ou, melhor, se deriva seu modo de aquisição a partir das leis simples e "justas" do intercâmbio de equivalentes.

1Cidadãos de iguais direitos
2δυνάμει
3yeoman: camponês inglês, pequeno proprietário
4A dissolução das formas ainda mais antigas de propriedade coletiva e de comunidade real é algo óbvio (nota de Marx)
5surplusproduce
6δυνάμει
7d'une manière ou d'une autre
8δυνάμει
9Pois neste caso o capital pressuposto como condição do trabalho assalariado é produto do trabalho mesmo e, como condição deste, se pressupões a si mesmo, é criado pelo trabalho como pressuposto para o próprio trabalho. (Nota de Marx)
10δυνάμει
11δυνάμει
12Nem bem o capital e o trabalho assalariado são postos como pressuposto de si mesmos, como base pressuposta da produção mesma, a coisa se apresenta em princípio assim: que o capitalista cria os meios de subsistência além do fundo de material em bruto e meios de trabalho necessários para que o trabalhador se reproduza, ou seja, realiza o trabalho necessário, possui um fundo de material em bruto e instrumentos de trabalho nos quais o trabalhador torna efetivo seu trabalho excedente , isto é, o lucro do capitalista. Uma analise mais profunda põe em relevo que o trabalhador cria constantemente um duplo fundo para o capitalista ou que sob a forma do capital cria um duplo fundo, do qual uma parte satisfaz continuamente as condições de sua própria existência e a outra as condições de existência do capital. como vimos, no capital excedente - e capital excedente em relação com sua relação antediluviana com o trabalho - está todo o capital real, atual, e todo elemento do mesmo é uniformemente trabalho alheio objetivado e apropriado pelo capital, apropriado sem intercâmbio, sem entrega de equivalente para ele.




A riqueza existente sob a forma de dinheiro só pode mudar-se pelas condições objetivas do trabalho porque e quando estas estão separadas do trabalho mesmo. Vimos que em parte se pode acumular dinheiro por meio do puro e simples caminho do intercâmbio de equivalentes: contudo, isto constitui uma fonte tão pouco significativa que, desde um ponto de vista histórico, se se pressupõe que se ganhou o dinheiro por meio do intercâmbio de trabalho próprio, nem sequer merece ser mencionada. Isto ocorre, mais por meio da usura - em particular exercida também com relação à propriedade da terra - e por meio de um patrimônio móvel acumulado mediante os ganhos comerciais, patrimônio-dinheiro que se transforma em capital no sentido estrito, em capital industrial. Mais adiante teremos oportunidade de falar mais longamente de ambas as formas propriamente ditas do capital, senão como formas mais precoces de patrimônio, como pressuposto para o capital.

Tal como vimos, está presente no conceito do capital, sua gênese, o que surge (decorre) do dinheiro e, portanto, do patrimônio que existe sob a forma dinheiro. Está alí igualmente presente o que surge da circulação, que aparece como produto da circulação. A formação de capital não provem da propriedade da terra (aqui pode surgir no máximo o arrendatário enquanto este é comerciante em produtos agrícolas); tampouco da corporação (ainda que neste último ponto haja uma possibilidade), mas do patrimônio mercantil e usurário. Mas só encontra as condições para comprar trabalho livre uma vez que este é separado de suas condições objetivas de existência pelo processo histórico. Só então encontra também possibilidade de comprar estas condições mesmas. Sob as condições de organização corporativa, por exemplo, o mero dinheiro, que não é ele mesmo corporativo, que é dos mestres, não pode comprar teares para fazê-los trabalhar, está prescrito quantos podem trabalhar para um mestre, etc. Em suma, o instrumento mesmo esta ainda tão aderido ao trabalho vivo mesmo, aparece como seu domínio até tal ponto, que verdadeiramente não circula. O que capacita ao patrimônio dinheiro para tornar-se capital é a presença, por um lado dos trabalhadores livres; segundo, a presença como igualmente livres e vendíveis dos meios de subsistência e materiais, etc., que antes eram de uma maneira ou de outra propriedade das massas, que agora ficaram desprovidas do capital, a outra condição do trabalho, etc. - está já presente para esse patrimônio, em parte como resultado da organização corporativa urbana, em parte como resultado da industria doméstica ou ligada à agricultura como atividade acessória. O processo histórico não é o resultado do capital, mas o pressuposto do mesmo. Por meio deste processo, o capitalista se inserta como intermediário (histórico) entre a propriedade da terra, ou entre a propriedade em geral, e o trabalho. A história desconhece as ilusões sentimentais segundo as quais o capitalista e o trabalhador estabelecem uma associação, etc.: disso não se encontra rastro algum no desenvolvimento do capital como categoria. Esporadicamente pode desenvolver-se localmente a manufatura em um marco que corresponda ainda á um período completamente distinto, como por exemplo nas cidades italianas, junto às corporações. Mas como forma generalizada, predominante, de uma época, as condições para o capital devem estar desenvolvidas não só localmente, mas em grande escala (Não se opõe a isto o fato de que ao ocorrer a dissolução das corporações, alguns mestres se transformam em capitalistas industriais; contudo, o caso é raro e o é de acordo com a natureza da coisa. Em conjunto, a organização corporativa se arruína, o mestre e o oficial se arruínam, ali onde surge o capitalista e o operário.)

É obvio - e isto se ve examinando mais circunstanciadamente as épocas históricas das quais aqui se fala - que, de fato, a época da dissolução dos modos prévios de comportamento do trabalhador com as condições objetivas do trabalho é ao mesmo tempo uma época na qual, por um lado, o patrimônio-dinheiro se desenvolveu até alcançar certa amplitude, e que por outro lado, este cresce e se estende em virtude das mesmas circunstâncias que aceleram essa dissolução. O mesmo é também um dos agentes dessa dissolução, assim como essa dissolução é uma condição da transformação desse patrimônio em capital. Mas a mera existência do patrimônio-dinheiro, e inclusive o que este ganhe por sua parte uma espécie de supremacia1, não basta de nenhum modo para que essa dissolução resulte em capital. A não ser que, a antiga Roma, Bizâncio, etc., tivessem concluído sua história com trabalho livre e capital ou, mais, tivessem começado uma nova história. Também ali a dissolução das velhas relações de propriedade estava ligada com o desenvolvimento do patrimônio-dinheiro; do comércio, etc. Mas em vez de conduzir à indústria, esta dissolução conduziu de fato2 ao predomínio do campo sobre a cidade. A forma originária do capital não ocorre, como se pensa, porque o capital acumule meios de subsistência e instrumentos de trabalho e matérias primas ou, em suma, porque acumule as condições objetivas da produção separadas do solo e já fundidas com o trabalho humano.3 O capital não cria as condições objetivas do trabalho. Mas sua formação originária ocorre simplesmente enquanto, por meio do processo histórico de dissolução do antigo modo de produção, o valor existente como patrimônio-dinheiro adquire, por um lado, a capacidade de comprar as condições objetivas do trabalho, pelo outro, a de trocar com os trabalhadores liberados o trabalho vivo por dinheiro. Todos estes momentos acontecem; sua própria diferenciação é um processo histórico, um processo de dissolução e é este o que faz o dinheiro capaz de transformar-se em capital. O dinheiro mesmo, enquanto participa ativamente neste processo histórico, só é ativo enquanto ele mesmo intervém como um meio de separação extremamente enérgico e enquanto colabora na produção dos trabalhadores livres desprovidos do objetivo, despojados; mas, seguramente, não porque crie para eles as condições objetivas de sua existência, mas porque ajuda a acelerar sua separação destas: sua carência de propriedade. Quando, por exemplo, os grandes proprietários de terra ingleses licenciaram a seus agregados4, que consumiam junto com eles o produto-exedente5 da terra, e, também, seus arrendatários expulsaram aos pequenos camponeses sem terra, etc., jogaram assim, em primeiro lugar, uma massa de forças de trabalho ao mercado de trabalho, uma massa que era livre em um duplo sentido, livre das antigas relações de clientela ou de servidão e das relações de prestação e, em segundo lugar, livre de toda possessão e de toda forma de existência como coisa, de toda forma de existência objetiva, livre de toda propriedade, à que se lhe apresentava como única fonte de recursos a venda de sua capacidade de trabalho ou a mendicância, a vagabundagem e o roubo. Está historicamente comprovado que essa massa tentou ao princípio este último, mas que foi empurrada para fora, dessa via, por meio da forca, do pelourinho, do chicote, até ao estreito caminho que leva ao mercado de trabalho; de tal modo que os governos, por exemplo Henry VII,VIII, etc., aparecem como condições do processo histórico de dissolução e como criadores das condições para a existência do capital. Por outro lado, os meios de subsistência, etc., que os proprietários da terra antes consumiam junto com os agregados6, estiveram agora a disposição do dinheiro que quiser comprá-los para comprar trabalho por seu intermédio7. O dinheiro não havia criado esses meios de subsistência, nem os havia acumulado: tais meios estavam ali, eram consumidos e reproduzidos antes de que se os consumisse e reproduzisse por intermédio do dinheiro. O que havia mudado não era outra coisa que o fato de que agora estes meios de subsistência eram jogados ao mercado de troca, eram separados de sua conexão imediata com as bocas dos agregado8, etc., e eram transformados de valores de uso em valores de troca, pelo qual caiam sob a supremacia do patrimônio-dinheiro. O mesmo ocorreu com os instrumentos de trabalho. O patrimônio-dinheiro não descobriu nem fabricou o torno de fiar nem o tear. Mas, separados de sua terra, os fiadores e tecedores com seus teares e tornos caíram sob o império do patrimônio-dinheiro. etc. O próprio do capital não é outra coisa que o acoplamento das massas de braços e instrumentos que ele encontra pre existentes. Os aglomera sob seu império. Essa é sua verdadeira acumulação: a acumulação de trabalhadores em certos pontos junto com seus instrumentos. Disto temos de tratar mais detidamente ao ocupar-nos da chamada acumulação do capital. O patrimônio-dinheiro - como patrimônio mercantil - ajudou sem dúvida a acelerar e dissolver as antigas relações de produção e o fez possível ao proprietário da terra por exemplo, tal como tão bem o mostrou Adam Smith, trocar seus cereais, gado, etc., por valores de uso trazidos do estrangeiro em vez de desperdiçar com agregados9 os valores de uso produzidos por ele mesmo e de encontrar em sua maior parte sua riqueza na massa de agregados que consumiam junto com ele. Deu uma maior significação ao valor de troca da renda do proprietário da terra. Isto também aconteceu no que toca à seus arrendatários, os quais já eram meio-capitalistas, mas o eram, contudo, de uma maneira ainda muito coberta de ornamentos. O desenvolvimento do valor de troca - graças ao dinheiro existente sob a forma de uma camada social de mercadores - dissolve a produção mais orientada para o valor de uso imediato e as formas de propriedade a ela correspondentes - relações do trabalho com relação à suas condições objetivas - e empurra assim para a criação do mercado de trabalho ( que não deve confundir-se com o mercado de escravos).

1supremacy
2in fact
3Resulta claro à primeira vista que círculo absurdo se daria se, por um lado, os trabalhadores que o capital deve pôr em ação para pôr a si mesmo como capital devessem primeiro ser criados, devessem ser chamados à vida, por meio da acumulação do capital, devessem esperar desse seu "Que o Trabalho seja!", enquanto, por outra parte, o capital mesmo não fosse capaz de acumular-se sem trabalho alheio; o máximo que poderia fazer seria acumular seu próprio trabalho, quer dizer, existir então ele mesmo como não-capital e não-dinheiro, pois o trabalho antes da existência do capital só pode valorizar-se a si mesmo em formas tais como a do trabalho artesanal, a agricultura em pequena escala, etc., em suma, só em formas que não permitem acumular ou só o permitem em escassa medida, em formas que só deixam um pequeno produto excedente, ao qual consomem em sua maior parte. Finalmente teremos que investigar mais detidamente esta imagem da acumulação. (Nota de Marx)
4retainers: servidores ligados à casa do senhor, agregados
5surplusproduce
6retainers: servidores ligados à casa do senhor, agregados
7through their instrumentality
8retainer: servidor ligado à casa do senhor, agregados
9retainers: servidores ligado à casa do senhor, agregados




Contudo, inclusive esta ação do dinheiro só era possível sob o pressuposto da atividade artesanal urbana, a qual não estava baseada sobre o capital e o trabalho assalariado, mas sobre a organização do trabalho em corporações, etc. O trabalho urbano mesmo havia criado meios de produção, para os quais as corporações eram tão irritantes1 como as antigas relações de propriedade da terra para uma agricultura melhorada, que em parte era ela mesma, também, consequência da grande venda dos produtos agrícolas nas cidades, etc. as outras circunstâncias que, por exemplo no século XVI aumentaram a massa de mercadorias circulantes assim como a do dinheiro, criaram novas necessidades e elevaram assim o valor de troca dos produtos locais, subiram os preços, etc., tudo o qual estimulou, por um lado, a dissolução das antigas relações de produção, acelerou a separação do trabalhador, ou do não trabalhador mas capaz de trabalhar, com relação às condições objetivas de sua reprodução e estimulou assim a transformação do dinheiro em capital. Nada mais estúpido então que conceber esta formação originária do capital como se este tivesse acumulado e criado as condições objetivas da produção - meios de subsistência, material em bruto, instrumentos - e as teria brindado aos trabalhadores despojados delas. Mais bem, o patrimônio-dineiro ajudou em parte à despojar destas condições às forças de trabalho dos indivíduos capazes de trabalhar e em parte esse processo avançou sem ele. Uma vez que esta formação originária alcançou certo nível, o patrimônio-dinheiro pôde colocar-se como intermediário entre as condições objetivas da vida assim liberadas e as forças de trabalho vivas, liberadas, mas também isoladas e vazias, e pôde assim comprar a uma com as outras. Mas indo agora ao que faz para a formação do patrimônio-dinheiro mesmo, antes de sua transformação em capital ela pertence à pré-história da economia burguesa. A usura, o comércio, o regime urbano e o fisco que surge com ele desempenham papéis centrais neste processo. Também o atesouramento por parte dos arrendatários, camponeses, etc., embora em menor grau. Se vê aqui ao mesmo tempo como o desenvolvimento do intercâmbio e do valor de troca, que em todas partes é mediado pelo comércio, ou cuja intermediação pode ser chamada comércio (o dinheiro mantém uma existência autônoma na fase mercantil, assim como a circulação a tem no comércio), traz consigo tanto a dissolução das relações de propriedade do trabalho sobre suas condições de existência, como a dissolução do trabalho mesmo tratado como uma das condições objetivas da produção; só relações que expressam um predomínio tanto do valor de uso e da produção orientada ao uso imediato como de uma entidade comunitária real, existente ainda de maneira imediata como pressuposto da produção. A produção baseada sobre o valor de troca e a entidade comunitária baseada sobre o intercâmbio destes valores de troca supõe e produz a separação do trabalho com relação a suas condições objetivas (por mais que os valores de troca tal como vimos no capítulo acerca do dinheiro, pareçam pôr a propriedade puramente como resultado do trabalho, pareçam pôr como condição a propriedade privada do produto do trabalho próprio, e o trabalho como condição geral da riqueza). este intercâmbio de equivalentes acontece, enquanto é só a camada superficial de uma produção que descansa sobre a apropriação do trabalho alheio sem intercâmbio, mas sob a aparência do intercâmbio. Este sistema do intercâmbio descansa sobre o capital como seu fundamento e se se o considera separado dele, se se o considera como tal como se mostra na superfície, como sistema autônomo, o que se dá é uma mera aparência, mas uma aparência necessária. Por isso não devemos já assombramos de que o sistema dos valores de troca - intercâmbio de equivalentes medidos pelo trabalho - se transmute ou melhor mostre como seu fundo oculto a apropriação de trabalho alheio sem intercâmbio, separação plena de trabalho e propriedade. Precisamente o domínio do valor de troca mesmo e da produção que produz valor de troca, supõe capacidade alheia de trabalho como valor de troca - quer dizer, separação da capacidade viva de trabalho com relação a suas condições objetivas; comportamento com estas, ou com sua própria objetividade, como com propriedade alheia; comportamento com essas condições, em uma palavra, tratando-as como, capital. Só nos tempos do ocaso da organização feudal, onde todavia ainda se luta dentro desta - tal como na Inglaterra no século XIV e na primeira metade do XV -, se dá a época de ouro do trabalho em processo de emancipação. Para que o trabalho outra vez volte a comportar-se com suas condições objetivas como som sua propriedade deve aparecer outro sistema em lugar do sistema do intercâmbio privado, o qual como temos visto, põe o intercâmbio de trabalho objetivado por capacidade de trabalho e, em consequência, a apropriação do trabalho vivo sem intercâmbio. A maneira em que o dinheiro se transforma em capital, se faz visível a miúdo historicamente em forma completamente simples e manifesta como quando o mercador, por exemplo, faz trabalhar para si mais tecedores e fiandeiros, que até esse momento trabalhavam no tecer e no fiar como atividade acessória da agricultura, de tal modo que converte sua atividade acessória em ocupação central; mas daí em diante está mais seguro deles e os converteu em trabalhadores assalariados sob seu império. Mudá-los então de seus lugares de origem e reuni-los em uma casa de trabalho é um passo posterior. Neste simples processo se vê claramente que o capitalista não preparou material em bruto, nem instrumento, nem meios de subsistência para os tecedores e fiandeiros. Tudo o que ele fez foi limitá-los cada vez mais a um tipo de trabalho, no qual se tornam dependentes da venda, do comprador, do comerciante e finalmente só produzem para e por intermédio dele. Originariamente este só comprava trabalho por meio da compra do produto: nem bem os trabalhadores se limitaram à produção deste valor de troca imediato, intercambiar todo seu trabalho por dinheiro para poder seguir existindo, caem sob o império do comerciante e finalmente desaparece também a aparência de que eles vendam à ele seus produtos. Ele compra seu trabalho e lhes paga primeiro a propriedade do produto, em seguida também a do instrumento ou se as deixa como propriedade aparente, para diminuir novos custos de produção. As formas históricas originárias, nas quais o capital aparece ao começo esporádica ou localmente, junto aos antigos modo de produção, mas destruindo-os cada vez mais por todas partes, incluem por um lado a verdadeira manufatura (ainda não fábrica); esta surge ali onde produz a massa para a exportação, para o mercado externo, ou seja, sobra a base do grande comércio marítimo e terrestre, nos empórios deste, tais como as cidades italianas, Constantinopla, as cidades de Flandres, as holandesas, algumas espanholas, como Barcelona, etc. Em um começo, a manufatura não submete à chamada industria urbana, mas à indústria camponesa acessória , fiação, tecelagem, ao trabalho que requer em menor grau habilidade artesanal corporativa, formação artística artesanal. Fora daqueles grandes empórios, onde a produção existe já baseada em um mercado externo e está, em consequência, orientada naturalmente, por assim dizê-lo, para o valor de troca - há ali então manufaturas conectadas diretamente com a navegação, as construções navais mesmas, etc. -, esta se instala primeiramente não nas cidades mas no campo, nas aldeias não corporativas, etc. A industria camponesa acessória contém a ampla base da manufatura, enquanto que a industria urbana requer um maior progresso da produção para poder ser levada a cabo dentro de um organização fabril. O mesmo ocorre com os ramos tais como da produção como fábricas de vidro, de metal, serrarias, etc. que desde um princípio requerem maior concentração de forças de trabalho, que desde um principio utilizam mais forças naturais, requerem produção em massa e, igualmente, concentração dos meios de trabalho, etc. O mesmo, com as fabricas de papel, etc. Por outro lado, o surgimento do arrendatário e a transformação da população agrícola em diaristas livres. Ainda que esta transformação só mais tardiamente se impõe no campo até suas últimas consequências e em sua forma mais pura, começa ali mais cedo. os antigos, que nunca saíram da indústria propriamente urbana, nunca puderam por isso chegar à grande indústria. O primeiro pressuposto desta é a produção não de valores de uso , mas de valores de troca. as fábricas de vidro, as fábricas de papel, os estabelecimentos siderúrgicos, etc., não podem organizar-se em forma corporativa. requerem a produção em massa, a venda em um mercado geral, patrimônio-dinheiro por parte do empresário: não porque ele cria as condições subjetivas ou objetivas, mas porque soba as antigas relações não podem ser combinadas. A dissolução das relações de servidão, assim como o surgimento da manufatura, transformam logo cada vez mais todos os ramos do trabalho em ramos movidos pelo capital. por certo, em seus peões e diaristas alheios às corporações, as cidades mesmas também contêm um elemento para a formação do trabalho assalariado propriamente dito.
1gênants
2Ainda que entre os gregos à principalis summa rei creditae.
3Aluguel de gado. a palavra cheptel , do latim capitale, designa tanto o contrato que consiste em encarregar o cuidado do gado a troco de uma parte nos lucros, como o gado mesmo.
4qui debent censum de capite. O adjetivo "capitales" não pode traduzir-se de outro modo senão só como " aqueles que pagam a contribuição por cabeça"
5Reddan de meo proprio decimas Deo tam in Vivente Capiral, quam im motuis fructibus terrae.